segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM BARULHO ESTRANHO

Ouvi um barulho estranho. Nem bem um barulho. Era o som de uma ave que eu não conhecia. Tão pouco acostumados aos sons da natureza, parece que só reconhecemos buzinas ou alarmes de carro.
Corri para a janela para ver. E pude alcançar ainda o vôo de um gavião. Essa ave tão pouco afeita à nossa vista.
Moro em plena cidade do Rio de Janeiro, em meio a prédios, ruas, avenidas onde só asfalto, lojas e bancos são vistos ao longo do mar. Glorioso mar.
À frente de minha janela, uma pedra imensa que comporta, em seu vazio, um túnel. Mas do seu lado de fora, uma vegetaçao teima em sobreviver, agarrada na superfície dura de seu chão.
Outra semana vi dois abutres namorando na mesma pedra e alguns pequenos lagartos às vezes correm em disparada por sua superfície para se misturarem de novo à vegetação.
Quando a noite é quente, besouros e insetos visitam meu quarto, minha sala. E algumas aranhas até já se acomodaram pelos cantos ou tetos.
A vida ocupa todos os espaços.
Por menores que sejam, por mais improváveis que pareçam, há sempre algo vivendo em todo lugar.
Que nossos olhos e ouvidos estejam sempre atentos.
Que nossa sensibilidade esteja alerta e presente.
Porque somos parte dessa respiração, dessa ânsia por momentos, dessa conquista que é estar vivo, testemunha do tempo, do espaço, da liberdade de ser.

sábado, 14 de novembro de 2009

REVENDO

Lembro daquele comercial acho que da Fiat... em que mostrava situações diferentes e inesperadas e, no final, a frase: Está na hora de você rever seus conceitos. Bom comercial. Inteligente.
Porque é sempre hora de revermos conceitos.
E não apenas conceitos mas vontades, desejos, ambições, sonhos, chãos.
É sempre hora de reavaliarmos o caminho de nossos afetos, de nossos remorsos, de nossas angústias e ressentimentos. Hora, mais que hora, de acharmos uma saída para recalques, culpas, perdões. Porque depende apenas da forma de sentir, da forma de pensar, de como organizar ou desorganizar o que temos por dentro. E tentar nos fazer mais confortáveis. Há tanto o que não se pode mudar na vida! Tanto que não depende de nossa força de vontade, de nossas preces, de nossas torcidas.
Por isso devíamos, como devemos simbolicamente até arrumar os armários, devíamos arrumar nossos espaços internos também.
Não temos que achar mais espaço só do lado de fora. Nos desfazendo de roupas que não cabem mais, livros já lidos, para que venham novos e novas e coloridas roupas diferentes.
Por que não com o que vai por dentro entulhando nossa alma. Tanta coisa desnecessária, tanto peso que só dificulta a viagem, tanto, tanto, tanto. Repetido assim mesmo como quando falamos do Espírito Santo.
Santo. Santo. Santo.
Nos dê força e inspiração.
Para que consigamos trazer o horizonte pro coração.
E lá dentro brilhe um sol imenso a cada acordar.

Rever é também se resgatar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

QUER FALAR? FALA!

Quer falar, fala.
Senão vai ficar com as palavras presas no corpo, ziguezagueando furiosas entre órgãos, nervos, veias, carnes.
Melhor falar que ter as palavras assim por dentro, nessa agonia por serem ditas, nesse discurso que se complica enquanto o tempo passa e nada acontece.
Antes de explodir, fala.
Senão qualquer dia desses sua boca irá se abrir e isso que chamamos de alma, espírito ou coisa que o valha, se mostrará despudoradamente e será impossível reconhecer o corpo a que ela pertence.
E aí como você fica no mundo? Com a alma de fora, se mostrando aos berros para qualquer um?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

BOM MESMO

Bom mesmo é morrer do coração.
Sair de casa sem despedir como se fosse encontrar logo ali, na esquina perto da banca de jornal. Sem nem tempo para pensar que agora é sua a vez de passar para o outro lado. Há tantos lados em uma só vida!
Bastar um susto e não levar livro nem a obrigação de escrever.
Quando teimamos, que inferno cumprir a cisma com que nos marcamos!
Porque há dias sem poesia.
Momentos sem que a vontade se faça e só se quer que o tempo não mais exista. Nem o sol, nem o vento, nem a cama que não dá mais descanso ou conforto. Sem falar do sono que não vem ou, quando vem, não acalenta o esforço de permanecer.
Mas quero fugir do trágico.
Agora, a inspiração me fala aos sussurros sobre o fim próximo, sempre à porta, debaixo da cama, no box do banheiro, molhada ainda com a água do último banho.
É no peito que se encerra a palavra.
Não aquela que começou o mundo, essa não! Afinal era verbo.. o que não deixa de ser palavra. Mas a minha, a que explodirá no momento incerto, é advérbio de intensidade.
Mas se muito ou pouco, quem saberá?

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O ANJO

O ar condicionado do vizinho pinga como uma torneira aberta. E as gotas, em seus espaços temporais bem marcados, repetidos sem personalidade junto ao barulho dos grilos, escondidos nos matos da pedreira lá de fora fazem a sinfonia de minha madrugada.
Quase peço ao deus insone que me mande um anjo com uma lança dourada.
E que ele me atravesse o corpo da cabeça aos pés, me fisgando inteira, em sua fatalidade divina.
Saber que tudo é mais fácil e ,ao mesmo tempo, não ser capaz de sentir essa familiaridade com a nitidez de minha visão, me faz ansiar pelo gélido metal dourado do anjo.
Trágica?
Talvez.. se não percebesse os grilos cantando fazendo contraponto ao gotejar contínuo da rotina de nossos dias.
Mesmo assim, os grilos não me fazem dormir.
Por isso ainda sonho acordada com o anjo de olhos de infinito e sexo bendito que, com sua espada dourada me atravessaria inteira, sem um grito.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DESABAFO

Me acho uma pessoa com grande tendência ao emsimesmamento e ao consequente isolamento que isso traz. Porque dentro de mim não há festa, grupos, música alta ou carros correndo a 200 por hora.
Talvez por isso fale e reclame tanto do espaço que as pessoas têm no mundo - quando, além de habitarem seu próprio metro quadrado, invadem o alheio. E comente o ruído, o barulho constante e contínuo que domina a vida.
Dentro de mim, o silêncio reina absoluto e embala minhas noites. Tenho sono leve e qualquer suspiro mais alto, acorda meu pensamento.
Teimo em escrever desde os oito anos e até hoje quase nunca me satisfaço com o que faço. Sempre à mão, escrevo com uma lapiseira 9 mm pois tenho horror à escrita fina e frágil de grafites que se quebram à toa e mal marcam o papel.
Porque quero ficar.
Quero ser presente nos olhos dos outros, nas palavras que aos poucos formam sentidos em outras mentes.
Quero que vejam mais de perto a intimidade que à poucos exponho no dia-a-dia. E achem graça de minha inaptidão aos jogos, às regras, às artimanhas do mundo. Pouco percebo os jogos entre nós.
Mas quero ficar.
E sentir que fui feliz mesmo sem a tão falada euforia. Essa coisa estranha e alheia à minha própria natureza. Minha felicidade é calma e silenciosa.
Mas como me fazer presente e pessoa amiga se tão pouco me identifico com os outros?
Por isso escrevo.
E me angustio por não saber mostrar que a leveza é o grande mistério revelado, a única chance de redenção, a fonta de juventude, nossa eternidade sonhada.
Mas escureço ambientes.
Questiono motivos, busco razões para os deslizes humanos, intolerante e irritada com meus iguais.
Como ficar, sendo assim?
Mesmo sabendo que o que importa é o sentimento. E que o amor, esse sim é o grande aglutinador das boas intenções, das delicadezas, das atitudes gentis, das palavras macias que acolhem e aninham as almas fazendo-as esquecer a rotina dura dos dias.. se me pego a questionar o porquê da superficialidade humana se as emoções são feitas de profundezas e abismos?
Será mesmo?
Ou sou eu apenas quem carrega nas tintas gritando o mal que nos fazemos pela ignorância que nos têm dominados quando para ficar, para realmente marcar minha vida nos outros bastaria apenas repetir com outras milhões de vozes por segundos infinitos: te amo, te amo, te amo?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O QUE ASSUSTA AS COISAS

O barulho assusta as coisas. Fechas as coisas em si mesmas. Que não se mostram mais como são.
Talvez por isso vivamos em um mundo ilusório.
Somos ruidosos demais.
Falamos alto.
Gritamos.
Reclamamos.
Nos comunicamos como se fôssemos a única espécie com direito a ocupar todas as ondas sonoras.
Exageramos.
Depois não entendemos porque tudo acontece de forma diferente do que pensamos ou esperamos.
Eis a vingança do mundo: o silêncio se fazendo presente pelo menos em nosso espanto.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

TEMPO

Um dia resolvi escrever sobre o tempo.
Essa coisa que nos atravessa e modifica e metamorfoseia nosso fora e nosso dentro com seu objetivo questionável e indecifrável. Há sentido nesse correr, nesse movimento de começo e fim? Ou será que, pensando nessa ordem aprendida e repetida exaustivamente de que as coisas têm que ter início para que se desenvolvam e finalizem, haja visto até hoje como funciona o esquema de uma redação: introdução, desenvolvimento e conclusão?
Mesmo que subverta a ordem para parecermos moderninhos ou criativos, há sempre a necessidade de se identificar um desenvolvimento que ambiciona ou almeja um fim.
A vida - essa com quem nos deparamos em nossas questões, emsimesmamentos, crises e espantos - se mostra, de fato, tão ordenada e objetiva assim?
Ou as coisas se atropelam e dançam a valsa louca da contradição, incoerência e imprevisibilidade de nossos "destinos"?
Como fugir até de um vocabulário que determina o pensamento? Pois se o que nos aguarda é o nosso destino e o que se destina, é a consequência, o alvo, o ambicionado em algum começo, se faz um círculo vicioso.
Mordemos o próprio rabo na busca por sentido - eis novamente as palavras nos pregando peças. Sentido - lembra direção, direção avança para algum lugar, algum provável "destino", que é o fim onde se quer chegar. Ou se chegou mesmo sem querer pois a vida não tem lógica, ordem, sentido ou destino.
Posso viver e alcançar meu começo ou sentir que não estou a meio caminho de nada ou que encerro aqui minha caminhada, por livre e espontânea opção, contra toda a expectativa mundial.
Afinal o que é o tempo a não ser essa mania de dona de casa caprichosa que cisma que tudo tem que ter seu lugar e ai de quem desarrumar?
Proponho esquecermos os parâmetros aprendidos para uma vida mais liberta de tanta expectativa quanto ao futuro.
Afinal, o futuro pode ser agora.
Ou já passou e nem notamos.

sábado, 24 de outubro de 2009

BUSCAR O DOCE

Buscar o doce onde o sal impera. No meio da dor, no calor do último abraço, na marca de sangue na parede.
Buscar o doce como quem nega o que não pode. O que não supera. Salgado viver. Tão cheio de pedras que não se dissolve nem quando se cercam de mar. Água salgada que banha o mundo.
Onde o doce senão nas frutas, nas flores, nos bicos dos pássaros? Na rapidez do vôo, na única floração do ano, na estação da colheita?
O doce tem hora. Momento certo. Como se recompensa fosse. Lembra das sobremesas. Dos docinhos nas festas de aniversário, contrabalançando o salgado do tempo que já se faz presente. Lembra o guaraná na casa do vô. Os caramelos. O bolo de milho na mesa sempre posta. Infância tem gosto doce? Ou o sal se impõe naquela mordida em que a língua sangrou e nunca mais se foi inocente. Quando se roubava dinheiro da bolsa da mãe pra comprar frumelo. E a mãe não percebia. Ou fingia não perceber. Assim, os crimes passaram em vão. Sem gosto algum.
Doce era ver pelas frestas, nas entrelinhas, ser mais sábio que os outros. Depois perceber que era de um doce amargo essa consciência das coisas. Antes não se provasse.
Buscar o doce onde o sal não impera. Talvez vivendo em outro mundo, outra galáxia, em um tempo ainda não criado.
Onde o sal não impera.
Quem dera existisse o brigadeiro absoluto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL IV

Ia puxar a descarga pela segunda vez. Distração ou sensação de que a merda era tanta que só muita água poderia levar para longe?
Que falar então do que havia feito.. Aquilo sim não daria para deixar de existir. Como também a merda que tinha ido pelo vaso ainda boiava em algum cano, tubo ou atoleiro qualquer. Uma vez que saíra de sua vista não pensava mais a respeito. Imagina se ia gastar neurônios ruminando onde estaria toda a merda que todo mundo faz. Igual ao erro de sua vida. Nem toda a água levaria embora. Rios. Mares. Seria pouco. Lágrimas. Nem que chorasse até a morte.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL III

Antes dividíamos tudo. Até as leituras. Os nossos Austers. Sartres. Nossos Borges. Machados. Até que um dia quis a Lygia só para ele. E o Caio. O Cuenca. Me roubava o Fawcett. O Thomas. Me negava o Rodrigues. O Hugo. A Patrícia. Começamos a brigar.
Um dia encontrava um pedaço de folha na cama. Outro, a palavra fim rasgada ao meio. Depois o jogo sujo. As capas pelo chão. Primeiro e último capítulos no corredor. Até sobrarem apenas palavras que, juntas, formavam seus recados para mim.: VÁ SE FODER. De três livros diferentes. Gramaturas e tipografias específicas., editoras concorrentes. Até não sobrar nada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL II

Era difícil ler, percebera. Ficar mais de cinco minutos tentando seguir a mesma frase que cismava em pular as linhas. Não podia ser normal. As palavras brincavam sob seus olhos. Se escondiam e depois surgiam maiores, cheias e negras à sua frente, unidas umas às outras como uma imensa locomotiva. Um terremoto. Diálogos desmoronavam. Exclamações viravam reticências, interrogações desapareciam em um passe de mágica. Algo muito estranho acontecia. E aquela dificuldade na leitura, com tantos livros á sua volta. Ora faltava-lhe ar. Ora oxigênio demais o fazia delirar. Se auto-proclamava profeta em um planeta decadente. Último dos leitores a se despedir de um mundo iletrado. Encarnação de D. Quixote, Cristo, Gandhi. As letras a escorrerem de seus olhos como o sangue dos santos. O fim próximo. Melhor desistir dos arrependimentos. Deixar as orações e súplicas para outra vida. E começar a ler as últimas linhas dos últimos livros que ainda restavam nas estantes.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL

Eram pequenos barulhos. Como se fossem gotas a baterem no telhado. Mas os barulhos andavam. Se moviam, movimentavam. Pareciam correr para um lado. Depois parar como se escolhessem. E partir para o outro. Ratos? Suas mãos tremeram. Tinha verdadeiro horror a ratos. Lembravam infância, crianças, porões. Fechou o livro e prestou mais atenção. Agora eles paravam. Um . Dois. Três segundos e a corrida recomeçava. Cíclica. Ritmada. Ratos não agiam assim.

“Onde você está?” ouviu uma voz perguntar. Depois os barulhos. Quis responder mas não sabia o que dizer. Onde estava? Sentia como se nunca houvera saído. Jamais ultrapassara a porta. Os barulhos se repetiam. “ Onde você está?” insistia a voz. Tentou responder . Mas não deu tempo.



domingo, 18 de outubro de 2009

O GRANDE RELÓGIO

O homem do tempo se pertunta: o que mudou?
Sentado no grande relógio do universo, suas pernas balançam sobre nossas cabeças. Chegamos a sentir o vento a despentear cabelos, a distrair a tensão de existir.
E o homem, sentado ainda, se pergunta, distraído e levemente preocupado: o que mudou?
Talvez soubéssemos responder se ao menos calássemos, por um momento, todas as perguntas que fazemos. No silêncio as respostas não têm onde se esconder e vislumbramos seus movimentos fugidios, aflitas e envergonhadas por se saberem visíveis.
O grande relógio roda sem parar no universo e deita seus ponteiros sobre os braços do homem que se pergunta, eternamente: o que mudou?
Seis horas - toca o relógio.



sábado, 17 de outubro de 2009

AS POSSIBILIDADES DO HOMEM

Deus criou o homem como o melhor de si mas o homem não cumpriu os objetivos divinos. E , por isso, o homem se culpa e se revolta.

Na culpa, cria a esperança.
para que possa sonhar com dias melhores, para que sua noite seja tranquila e possa procriar em filhos e objetivos.
Sem a esperança o homem nada poderia fazer.
Paralisaria ante o fracasso de sua finalidade, perdido em névoas, entristecido pela própria culpa que lhe define.
Para fugir desse amargo destino de salgados e negros mares, espera pelo doce da chuva, que vem para lavar suas mãos calejadas. Mãos trêmulas e humildes que se unem para Deus ou para os seus, em um gesto de adoração ou em um afago de cúmplice compaixão.

Na revolta, cria a mágoa que lhe renova o gosto ruim pelas coisas, pelos seres, pelos homens.
Inveja o que não tem e não permite que tenham.
Ambiciona a eternidade que nunca lhe foi dada.
E não entende quando lhe estendem a mão pois lembra, ressentido, do nada que lhe assola. De que adiantariam momentos esparsos de suave alegria?
Na revolta, no requentar de sua fraqueza, o homem se cega pois só vê o não-ser, seu lado que inexiste, dolorosamente.
E cria a angústia, veneno da falta, para os momentos do dia.
Porque à noite, sozinho em casa, clama aos céus com fechadas e agressivas mãos, em despeito ou apostasia, por sua auto-piedade desmedida.



sexta-feira, 16 de outubro de 2009

PARA VOCÊ ME ENTENDER

Se eu pudesse ver a bondade em tudo que o dia se faz, eu veria.
Se pudesse acreditar na loucura do homem como fonte de sabedoria,
se as dores não gritassem na rotina, na monotonia,
talvez não precisasse de tanta filosofia.

Se busco nas origens, explicação;
se questiono, interrogo e me banho em meu próprio mar de insatisfação,
pelo gosto ideal, jamais provado, do justo e do bem,
é que sonho com dias melhores
e esse sonho me mantém.

Porque é fácil dizer que não gosto simplesmente
de qualquer lugar, qualquer programa,
qualquer tipo de gente,
sem pensar no porquê e nos motivos
que me fazem tão diferente.

Não é por escolha ou opção
que prefiro o silêncio à canção,
que não gosto de rádio ou televisão,
que me irrito e vou de 8 a 80 sem aviso algum.

É que o tumulto já é demais por dentro
onde questões me desorientam
onde nem chão, nem céu, nem terra, nem ar
são certezas onde me creio habitar.

E por isso busco, devorando o tempo de minha eternidade,
uma réstia de luz,
um breve sorriso da verdade
que me traga, no fim, o acalanto seguro
para dormir um sono profundo
em paz.

QUESTÕES

Vivo um dia após o outro sem acreditar que essa linearidade de fato aconteça.
Apenas meu corpo se move e se mostra nesse andar no presente, no seguir dos olhos dos outros.
Porque em minha mente, ou dentro de alguma parte de mim que também pensa, uma vez que me misturo à carne, aos músculos, aos ossos, veias e sangues, sem poder afirmar onde me fixo e qual o limite que não sinto, vivo muitos tempos ao mesmo tempo.
Correm-me épocas e pessoas que fui.
Quando criança, adolescente, bebê, adulta e velha que vê e analisa ou contempla contínuamente a si, aos outros, às coisas, aos seres - desde os pequenos insetos às montanhas e mares.
Não estamos e somos todos os lugares?
Em minha a Humanidade não respira?
E conspira, ao mesmo tempo, por sua aniquilação e eternidade?


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

EXPLICAÇÕES

Não penso em uma filosofia da destruição.
Não ambiciono a vida sem o homem sobre a terra.
Não sonho com a extinção da racionalidade e, com ela, todo seu mal.
Porque pensar é também invejar, invadir, desumanizar, excluir, maltratar, julgar, fazer sofrer, doer, humilhar, menosprezar. Todos pensamentos, fundamentados em convicções e sentimentos, que ousaram se concretizar na realidade pela ausência e ousadia dos atos, dos gestos, do agir.
Mesmo assim não creio que o homem esteja perdido embora, em si, encontre tantos caminhos que sua existência é quase sempre desnorteada.
Me encanto com os pessimistas.
Outro dia vi um documentário sobre Emil Cioran e fiquei atordoada. Com a força, o vigor, a vitalidade e a virulência de suas palavras.
Porque de livros e discursos mornos o mundo já está cheio e não nos comovem ou instigam mais. E de que servem palavras se não forem para transformar, para pôr em movimento nossas visões sempre mutáveis da vida e dos seres?
Não há Filosofia sem se depreciar o mundo?
Ou apequenizar o ser humano e sua necessidade agônica em se sentir justificado em uma existência que não entende?
Não me considero pessimista embora tenha uma queda intelectual pelos niilistas, pelos que trazem as mãos sujas de tanto mexer e escavar o fundo do homem.
Porque se lá está a perdição... por que não acreditar que em algum lugar, entre a sujeira, a lama, a carne e o sangue, também não estejam a luz, o sol, o brilho que nos cegará de respostas e compreensão?


MEU JEITO DE CELEBRAR

Comemoro, nos aniversários, a vitória. A conquista sobre a vida por mais um ano. Porque a cada dia milhares, milhões de possíveis e infelizes desencadeamentos poderiam ter se sucedido e a vida se interrompido drástica e, muitas vezes, dolorosa e humilhantemente.
Quando falo que comemoro não a nova idade e seu futuro - incognoscível mas tão esparançosa, idealistica e utopicamente celebrado já de antemão - mas os dias que se passaram à margem do fim, falam Cruzes! e me olham como se eu fosse um corvo, um "Never more" lúgubre a espalhar minha sombra fria sobre suas douradas ingenuidades.
Talvez seja preciso acordar desse sono passivo de apenas ver o lado "feliz", leve e cor-de-rosa da vida. Que eu nunca consegui com meus olhos atentos e astigmáticos, enxergar.
Em tempo algum gostei de histórias de princesas disneyanas e finais felizes para sempre pois sempre tiraram a densidade, a complexidade, a carne da existência e da vivência humana.
Vida que para mim, para ser digna, é aquela em que camponeses brutos e rudes agarram suas ferramentas para combater as intempéries do tempo, dos humores, das doenças, dos acasos, das fatalidades.
A coerência que exijo é a mental. Que os atos e a vida estejam em conformidade, que sejam sangue do mesmo sangue de seu pensamento, de sua emoção, de seu sentimento que se transfiguram em atos, escolhas, caminhos. Conscientes e coerentes à aceitação de suas consequências. Sejam de glórias ou infortúnios.
Os dias não se seguem iguais.
Nem os tempos, tão relativos a lugares, épocas, motivos, ambições, resultados.
A indução nos engana no chão que nos mostra e se quer real.
Mas não há nada em que se possa confiar.
O sol se retira e a chuva desaba.
Um pássaro grita no ar.
O vento desarruma os cabelos.
A poça era mais funda e a pedra que se chutou distraidamente, não saiu do lugar.
Não há o certo.
O previsto.
Muletas a se escorar.
Por isso comemoro os aniversários ao meu modo.
Vejo o bolo como minha coroa de louros.
E meus convidados, as pessoas a quem preciso, sobrevivente e vindo de uma guerra, dar a notícia da vitória.
Há que se comemorar o passado.
O ano em que, apesar da vida, permanecemos.
E não entregamos as armas porque a luta ainda não terminou.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O EU

Querem esquecer o Eu.
Tirar a subjetividade do conhecimento, do movimento da cognição do mundo. Destruir o império absoluto de quem conhece as coisas. Mas o mundo não sou eu quem crio?
As coisas acontecem porque estou inserida nesse movimento ou minha inércia, minha extrema passividade, geraria outra forma de ser do mundo?
Primeiro, há que se negar a total passividade. Como já falei anteriormente em outro post - A necessidade cega da matéria - não há como não motivar consequências no mundo. Mesmo que assuma uma postura passiva, de inércia, de apatia ao que me cerca.
Não há como.
Pois sou, independentemente de minha vontade, comprometida com a existência e, por isso, mesmo que inerte aparentemente, influencio o acontecimento das coisas. Minha não-ação é uma atitude de força imanente em que, veementemente, me nego o movimento.
Vê a força? O dispêndio absurdo de energia nessa decisão pela imobilidade?
Me comprometo.
Por ser, por existir, por ter limites, por tentar rompê-los ou aceitá-los como refúgio ou morte.
Eu.Eu.Eu.
haverá forma humana do não-eu? Se mesmo na negação sou minha própria referência, se para evitar o choque com a pedra, reafirmo a existência e a dureza da pedra, confirmando a existência do mundo e a dor de seu encontro com meu corpo, que se grita, se machuca, se faz presente no rompimento de seu silêncio.
É um voltar em círculos? Todo retorno parece circular. Porque se volta para se recomeçar e a cada curva, a velocidade aumenta e o centro se aprofunda se reafirmando, mesmo não se querendo.
Como esquecer o Eu que canta, que sonha, que imagina, que problematiza, que escreve e se irrita com o pouco horizonte que essa visão lhe permite?


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

BREVE RASCUNHO DE ALGO QUE SE QUER MAIOR

Se me fixo em regras,
se me cerco de manias,
se repito normas e gestos,
se espero que os dias sejam, ao menos, parecidos,
e que os sentimentos se perpetuem uma vez nascidos
é que algo de caos respira em mim.
E sabe, silenciosamente, que a força que nos rege não é a rédea ou a ordem.
E é no medo de permitir que vivemos.
Tanto eu quanto você, os olhos fixos em nossos próprios movimentos.
Que não ousam se sobrepor ou se libertar de nosso alcance.
Nosso fôlego não chega a tanto.
Um dia, certamente, tudo isso se perderá e não será fácil reformular a vida em seu auge de luz.
Mas poderemos nesse dia, querido, finalmente... CRIAR.

domingo, 11 de outubro de 2009

SONO.. MUITO SONO

Ter sono quando se tem tempo para si. Cruel.
Dormir quando se pode, no silêncio, ser. Da maneira própria que se é : ocupando um espaço, a voz dentro do corpo, a pele morna.
Mas o sono dá as ordens e fraqueja a vontade de simplesmente e apenas ser.
Fraca, deito na cama e me cubro com lençol azul.
Frio lá fora. Nuvens se fecham e a tarde passa no vento gelado que atravessa a sala.
Quem dera ter raiva, cólera ou qualquer outra dessas ânsias, dessas primitividades, para me manter alerta.
Mas não há inimigos ao redor. Nenhuma ameaça que me mantenha, força contida, apta à vigília e intensa na vontade da luta.
Os olhos ardem e reclamam escuridão.
Apago o abajur.
Agora sou eu e meus cães. Que sonolentos também deixam a casa à mercê do domingo.
Amanhã recomeço.



p.s. Esse texto foi escrito semana passada, o fim de semana nublado, domingo à tarde... tanta coisa para ler, estudar, fazer... e um sono insuportável.

sábado, 10 de outubro de 2009

O BARULHO

O barulho vem da janela.
Um rádio em alto volume , uma música que não se distingue mas sente-se as pulsações. E ruídos, som de vozes, mistura que se faz sem forma, pura atribulação sonora.
Por isso não gosto muito de gente.
Que precisam ocupar os instantes - todos - com sons e presenças. que se espalham feito ar contaminado na necessidade forçada de uma epidemia.
Mas também sou gente, ser vivente com cordas vocais e um corpo que se movimenta. E, no movimento, a possibilidade de ser como todos, ocupar espaços, a espalhar minha existência por cima de outras existências que vão se acumulando fazendo a massa humana que se esbarra na rua, que encontramos no shopping, nos bancos, no ir e vir de todos os lugares.
Há domínio singular no universal?
Meu silêncio não invade o espaço alheio.
Matéria delicada e sutil, mais refinado que o próprio som, o silêncio se deixa por ele transpassar. Assim, o que me resta é ver a paz rompida e a influência dos outros a me encostar no quarto, arrancando de minhas mãos o livro e a caneta, tomando de assalto as palavras entre minha boca e o papel, levando-as para longe, para a perdição do esquecimento.
E isso que me afronta, que invade com seu exército inominável minhas glebas de lavoura e pasto, tem a força dos possessos, dos endiabrados, dos que perderam a fé na eternidade e, por isso, condenam todos ao seu próprio destino.


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A FALTA

A falta é o que angustia.
Aquele vazio de busca que nunca se intera.
Aquela ânsia por revelação. E que justificam os livros, a escrita, a vã tentativa do descobrimento.
Enquanto escrevo, percebo. E me surpreendo por não haver percebido antes, com a ajuda dos outros sentidos. Olhar, tocar, ouvir, sentir gostos e cheiros não me fazem vislumbrar o que a palavra traz.
Talvez os sentidos sejam fracos.
Ou distraídos.
Ou sua natureza seja superficial demais.
Mas é minha própria natureza! Então o homem é planície, sem surpresas em sua essência?
Mas há a falta.
E com a falta, a fome por respostas.
E só pergunta quem não é plano mas tem arestas, fundos, relevos.
Porque a pergunta é um incômodo. Causado pela dúvida, pela ignorância, pela curiosidade que é o agitar da alma.
O que faz a falta?
O que cria a angústia?
Será por tédio que nos transcendemos?
O mundo se molda em minha mente enquanto escrevo. E sussurro, murmuro como em uma prece á medida em que palavras saem da boca e logo encostam no papel.
Talvez por isso falem de Deus.
Do verbo que se fez Homem.
Verbo: mais que ação - PALAVRA.



quinta-feira, 8 de outubro de 2009

POR ISSO... CUIDADO!

Posso dar um passo e acabar ali.
Não mais viver.
Não mais existir.
Como se vida e existência fossem a mesma coisa. Não são. Mesmo assim posso deixar de viver e existir no próximo passo.
Por isso muito cuidado com as palavras. Com os beijos dados. Com os sorrisos e cenhos franzidos entregues ao mundo, ao tempo que se teve.
Que nunca é demais e sempre menos do que se espera. Embora não se possa, racionalmente, fazer planos com o porvir.
Nada sabemos do dia seguinte! É uma aposta arriscada onde todas as fichas estão na mesa. E não é caso de saber jogar melhor, calcular, prognosticar. Sorte. É pura e solamente sorte.
Mais um passo e fim.
Chegamos no nosso andar, nosso ponto, nosso destino. Mesmo não querendo ou negando até o fim.
Que pode ser bom ou ruim, quem sabe?
E por não saber, cuidado com os atos, os abraços apressados, as saudades não saciadas, o afago, o afeto, a ternura não vividas.
Porque basta um passo.
Um piscar de olhos.
Uma carta errada.



quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O NOME DAS COISAS

Há um estrago na linguagem.
Digam que não e cancelem meu pensamento. Porque permaneço acreditando que nos enganamos quando falamos, quando damos nomes às coisas, essas coisas que estão em toda parte e que não cabem em nenhuma definição, em nenhuma palavra que as oprima como também nós não nos definimos dessa forma tão angustiante.
Tentamos ardentemente e o que conseguimos?
A linguagem é sensual e se engana. Como nossos sentidos que tanto dependem da saúde e da sorte de nossos corpos.
Como pôr todas as fichas no que é temporário e não vai ficar para ver os resultados? Como acreditar no que me engana ao longo dos anos ou na distância mesmo que se mede pelo tamanho das sombras?
Há algo a se corrigir, a se morrer tentando a real comunicação.
Porque se damos e aprendemos os mesmos nomes para as coisas, por que não nos entendemos?


terça-feira, 6 de outubro de 2009

MEMÓRIA

Em minha memória, tudo se apaga.
Como o cigarro em um cinzeiro, apenas a fumaça e o cheiro ocupam espaço.
O que antes era matéria se consumiu com o tempo e a ânsia de nossa vontade.
O desejo de sorver a vida a queima mais rápido e a faz esquecida.
Em minha memória só há o presente.
Como se o cigarro queimasse lentamente e só o fogo permanecesse o mesmo.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ACONTECE

É uma náusea que vem da cabeça. Pulsando, martelando, lembrando que sou feita de entranhas e não apenas estranhas aparências.
É um enjôo que me derruba mas como reclamar se não me alimento como deveria, como devem os homens que se querem perenes? Como se a saúde fosse o objetivo da vida e não parte apenas dela - e não necessária, diga-se de passagem! - já que tantos vivem, ou melhor - sobrevivem - em constante tortura, sem a tranquilidade dos ignorantes.
Porque ignorar é não ter conhecimento e aí se fixa a felicidade.
Nesse espaço morno e aconchegante entre o conhecimento e a superfície, o denso cabedal do universo e a fina pele das coisas.
Impossível querer provar o amargo do cosmos e não ter, por isso, enxaquecas homéricas.


domingo, 4 de outubro de 2009

ARESTAS

Quando cortamos nossos excessos parecemos limpos.
Realmente estamos?
Preste atenção quando alguém corta o cabelo. O semblante, a aparência, a idéia mesmo que fazemos da pessoa muda por um simples corte em seu cabelo. Toda uma perspectiva existencial mora nos excessos.
O cabelo cresce independente de nossa vontade. E as unhas? Se não as cortarmos, melhor pintá-las para esconder a sujeira. Esconder o que pode ser interpretado por descaso, relaxamento de nossa parte. Afinal, temos que ser polidos - não apenas em educação - olha o sentido - mas em nossas arestas. Unhas lixadas ou cortadas. Cabelos aparados. O que mais nos cortam?
Para não parecermos bichos? Por isso a rebeldia nos cabelos compridos? Para mostrar a animalidade que existe em nós? Homens cabeludos não gritam sua primatabilidade?
Só sei que me sinto melhor com as unhas cortadas e não apenas por uma questão de higiene mas prática. Teclar, segurar e escrever fica mais fácil. E menor o risco de machucar alguém sem querer... embora, de unhas curtas, pêrca a possibilidade daquele arranhão nas costas dado no calor dos momentos que ficam marcados como um riso no canto da boca.
Mas isso não é soltar nosso bicho?


sábado, 3 de outubro de 2009

PECAMOS

Pela familiaridade, pecamos.
Pelo óbvio sentido e consentido, passamos pela vida e pelo mundo sem prestar atenção. Sem escutar o ruído por baixo das vozes, a batida atravessada por trás dos murmúrios.
Por nossa pressa, assassinamos pensamentos, vislumbres, descobertas, paixões antes mesmo de nascerem. Abortamos então. Podemos depois disso reclamar considerações? Nos indignar pela violência do mundo?
Não sejamos hipócritas.
Somos seres medonhos.
Que não olham pros lados, pros cantos, pras curvas, pros escuros. Medo de ver o que? A nós mesmos com outras roupas, outros rostos, outra vida encerrada? Medo de ter que tomar uma atitude, um posicionamento, ter uma opinião ou, pelo menos, uma convicção por menor que seja que justifique? Que faça valer o espaço que ocupamos. E o tempo que não sabemos usar.
Pela familiariadade, pecamos.
Pelos costumes.
Pelos hábitos.
Pelos óbvios.
E por nós mesmos quando repetimos sem pensar a história da humanidade até aqui.
Que nos fez tão pequenos que nem mesmo enxergamos.



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

DETALHES

Tudo vive.
Ter cachorros é parte desse pensamento.
Viver todo dia com seus pequenos à sua volta, rodeando, chamando atenção, reclamando comida e cuidados, nos faz seres mais atentos. Afinal temos que entendê-los - os cachorros que porventura se tenha - sem palavras. E os gestos também são poucos. Os atos são perceptíveis em significado apenas se nos propusermos. Se nos lançarmos a outro entendimento, a outra visão do mesmo mundo.
Então nos apegamos nos detalhes.
Reveladores e imanentes, pulsantes de significado e existência. Já disseram que a vida está nos detalhes. Completo e modifico : HÁ VIDA NOS DETALHES.
E por detalhe tudo se engloba. Porque se são coisas pequenas em relação ao todo, são o mínimo dentro de um máximo, reletiviza-se o detalhe e explodem-se as dimensões. Pronto. Também nos tornamos detalhes aos olhos do universo.
Como os insetos, por mínimos que sejam, aos nossos olhos.
Em macrofotografia percebe-se esse mundo louco e colorido dos insetos. Um mundo úmido e imensamente rico em arabescos, desenhos, contornos diferentes do que estamos acostumados ou, de repente, por estarem em menor dimensão, fazem mais sentido quando contrastados ao seu contexto.
E nesse contraste, nessa relativização, nessa atenção redobrada aos detalhes, percebemos qfue há, sempre, uma pulsação.
Que talvez apenas pressintamos mas não consigamos ouví-la, de tão acostumados desde que nascemos. E essa pulsação não cessa. Como ondas em um mar. Não importa se calmo ou turbulento. As ondas estão ali. Pulsando. Respirando. Vivendo em tudo e em todos. No absoluto e no nada.
Não há como escapar.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

PARA OUTRA MÁRCIA

E pensar que agora você fala em peixes.
De uma outra forma, de um outro pensar. Seu mar não é mais o mesmo que o meu e as profundezas abriram seus olhos. Que agora vêem o que existe no abismo, na escuridão gélida onde seres estranhos e luminosos habitam. Diferente de saber é estar e tocar suas escamas, sua pele fria de sombra e mistério.
Você é outra. Como são outros os pensamentos que lhe percorrem.
Somos seres estranhos que mudamos de entranhas conforme a vida. Sangue, órgãos, veias são apenas miragens, armadilhas do conhecimento para que nem todos saibam.
Não cabemos em contornos, em limites.
Não existimos para sermos felizes. A alegria é uma droga fabricada em laboratórios que também fazem nosso shampoo, nosso creme dental. E as madrugadas foram feitas para brincarmos de adultos em jogos de sexo e sedução.
Quando cresceremos afinal?
E aprenderemos a prender a respiração para, talvez, perceber um pouco o que agora é o seu mar.
Há conchas, estrelas, ouriços. Águas salgadas e doces. Mornas e frias. Límpidas e turvas. Calmas e turbulentas.
E peixes.
Sempre há peixes para todo tipo de água.
para todo mar que exista.
E você ainda pergunta, os olhos leves, de nascentes e córregos, cúmplices e fixos em mim: sabe nadar?


quarta-feira, 30 de setembro de 2009

FALANDO BAIXO

Falo baixo porque não crio personagens. E essa cara de espanto é que me assusto com o que vejo nos outros. Também terei o mesmo andar? Me sinto apenas um corpo que se movimenta. Displicente de sua aparência, preocupado em se fazer efetivo e chegar em algum lugar, sem maiores delírios estéticos.
Não crio personagens, não invento humores, gostos, valores.
Não poderia falar pela boca do outro o que de tão íntimo se me mostra a escrita.
O que é meu, assino e universalizo esse singular. Mas não apago o nome e suas consequências. Se uma mesa é uma mesa, esta sou eu e ponto.
Não sou Deus para criar histórias do nada. Nem em sete dias ou meses sem dormir.
Porque nem mais sonho ou lembro do que se passou nessa inconsciência. Dia após dia meu sono fica mais e mais leve e pareço não descer das superfícies das coisas.
Talvez por isso não escreva ficção, não invente romances, não acredite em comédias.
Meu humor é filosófico porque em tudo há algo a ser observado e veja como ridículos somos quando nos levamos à sério.
O dia e suas 24 horas. Você acredita? Finjo me misturar á multidão para não chamar atenção ou parecer de outro mundo quando é deste que falo.
Tenho limites na escrita.
Mas acredito nela como em minha mente que se mostra aos poucos à mim. No papel vou me enxergando, formada por letras e garranchos de grafite que depois mal reconheço ou decifro.
Falo baixo porque não tenho quem fale comigo.


terça-feira, 29 de setembro de 2009

A NECESSIDADE CEGA DA MATÉRIA

O título deste post é pomposo, intrigante e dá o que pensar. Pode até chocar os incautos que, porventura, estejam visitando este blog pela primeira vez. Marinheiros de primeira viagem, ainda não sabem que UM OUTRO MAR se propõe a isso mesmo: trazer olhares, questões, perspectivas, ângulos, questionamentos sobre o mar que vemos todos os dias. Por isso é outro. E UM OUTRO porque existem muitos. Tantos mares quanto lugares, consciências se propuserem a olhar a realidade à nossa frente e em nosso dentro de uma forma mais atenta e cuidadosa.
Toda necessidade é cega? toda matéria precisa de algo? E ela sabe, por acaso, o que procura?
Buscamos sentido, orientação, explicação, amor, compreensão... buscamos tantas coisas em nós mesmos e nos outros que até nos perdemos e preferimos apenas seguir o fluxo da vida sem maiores questionamentos. É mais fácil e não dói.
Porque buscar já é um partir de algum lugar para se perseguir algo ou alguém. E se é cega, nem essa busca sabe o que procura mas não há como parar sem movimento.
Agora imagine o desespero de se buscar - ou seja, de sair de seu lugar ou estado e partir procurando algo que não se vê ou não se sabe ou apenas se pressente sua existência mas que é necessário que se obtenha, que se ache, que se conquiste.
E é certo qu somente algo feito de matéria pode sentir falta de algo e por isso o lançar-se em busca. Porque o que não se materializa, não se compromete. Não tem necessidades já que é vago, fluido e pode estar em todos os lugares, ser o que envolve a realidade, ser o espaço entre as coisas, o que delimita as coisas que são, essas sim se comprometem com a realidade por não poderem ser de outra forma que não a de se apresentarem, a de existirem concreta e inegavelmente.
É inquestionável que a matéria exista e seja acessível a todos. Palpável, visível, têm características, especificidades, contornos, limites, detalhes. E mesmo tendo tantas manifestações do seu ser, ainda há a falta de algo.
Porque se sou isto e não aquilo - e isto é óbvio e inquestionável - não sou tudo o que me sinto e não possuo o mundo que vejo e em que estou inserido. Sou apenas parte. E não sei o tamanho do todo. Nem seu fim ou seu propósito mas algo em mim dói por não fechar o círculo de minha vivência com autonomia e independência do que existe.
A matéria insiste.
Todo dia reclama e queima no cosmos sua não aceitação.
Porque nada e ninguém quer ser pouco e nunca ter a sensação do suspiro completo. De um alívio em plenitude.
Nem mesmo o mar. Aquele que todos vêem e em cada um se mostra diferente, em constante movimento. Por isso, também se busca. Não se imobiliza no eterno.
Se um dia compreenderemos o que existe nas palavras - A NECESSIDADE CEGA DA MATÉRIA - é algo que não sei. E por isso, busco.
E me comprometo com o espaço e o tempo em que vivo.
Com a vida que me parte e movimenta.
Com a mente que me habita , semente de tudo.




segunda-feira, 28 de setembro de 2009

TEM LÓGICA?

Por isso não estudava. Não fincava os olhos em Aristóteles como devia. Quem mandou inventar a lógica com tantos termos, não podia ter nos deixado perdidos nas falácias do dia-a-dia? À mercê dos sofismas, da maldade, da manipulação alheia?
Ela bem que tentara. Evitara sair, cancelara o cinema, deixara os livros - uma pilha crescente de livros interessantes, ansiosos por serem lidos - para se concentrar na aridez da lógica.
Quando o que lhe pulsava por dentro era um oceano, onde correntezas se misturavam, onde profundezas abissais e suas águas gélidas e escuras, seus seres estranhos e luminosos se avolumavam.
E sua mente tentava represar seus instintos com lógica. Com uma fôrma, um molde para o raciocínio, para a clareza do pensamento, para uma comunicação válida e verdadeira entre os homens.
Quando o que lhe habitava o mundo era a incoerência, a mutabilidade das coisas, a inconstância de nós mesmos. Como haver verdade? Como ser possível a comunicação entre os seres?
O tempo passava e os livros à sua frente, nada diziam e nada se fixava em seu conhecimento. Era uma resistência mais que inconsciente àquela filosofia da ordem.
Vontade de implodir o passado e apagar da história da humanidade todo o pensamento aristotélico com sua mania de definições e lugares. Onde estava escrito que as coisas, os seres, as substâncias tinham seu lugar certo no universo se nem mesmo se respeita o lugar marcado nos teatros?
Por que tudo não podia ser poético como Platão? Esse sim tão romântico e idealista que lhe lembrava Castro Alves, Gonçalves Dias... talvez pela paixão com que afirmavam os mundos e nada temessem!
Totalmente diferente da mornidão dos silogismos.


sábado, 26 de setembro de 2009

O ESPANTO FILOSÓFICO II

Se falo que Filosofia é totalmente diferente da filosofia que se conversa em barzinhos ou a chamada "filosofia de vida" é porque a primeira, a FILOSOFIA, é precedida por aquele espanto ou admiração mencionados ontem. E filosofia de vida ou de bar é apenas o modo como vamos convivendo, nosso estilo de ser na vida. Bem diferente do que é a chamada Filosofia, que é dita ter começado com os gregos, no séc. VI a. C., com os pré-socráticos e seus questionamentos sobre a causa primeira, de onde viria a origem das coisas, o que seria, por isso, comum a tudo que existe, constituindo sua realidade, sua existência.
A Filosofia tem, por definição, de ser um pensamento rigoroso, crítico, que busca aprofundar e resgatar a causa primeira, as origens, do que se é pensado. com o rigor do pensamento vem a Lógica que analisa a forma que damos ao nosso discurso e que tantas vezes segue ilogicamente e inválidamente em sua ordenação e estrutura.
Filosofar é complicado mas estimulante e embriagador. É o encanto que enriquece e problematiza o que antes era comum.
Por isso fico chateada quando falam que filosofar é só olhar para o céu, coçar a barriga e passar o tempo sem nada fazer.
Se pensar o próprio pensamento é nada fazer como explicar então as idéias que temos, os conceitos que formamos e que nortearão todos os atos, toda a vida dos homens?
Como pensar no igual e no diferente sem analisarmos os conceitos e suas origens - quem sabe aí não percebemos os preconceitos que alimentamos, até sem querer ou perceber, criados por trilhões de motivos interessados em algum fim escuso?
Pensar o pensamento é questionar, criticar, é nada aceitar sem observar as intenções e interesses por trás muitas vezes de propagandas aparentemente inofensivas, de valores que se querem propagados e que desmerecem nossa capacidade maravilhosa e única de raciocinar.
A independência, a autonomia, o especial do ser humano começa ali: no se pensar ser, no se acreditar pensante, no se permitir criar realidades e mundos diferentes em um mesmo espaço.
Filosofar é uma grande viagem, com certeza, onde o espanto, a admiração, curiosidade e a força de vontade são ítens obrigatórios.



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O ESPANTO FILOSÓFICO I

Dizem que o espanto e a admiração são os primeiros passos para se filosofar. Concordo. Eu mesma sou a primeira a falar da quebra que fazemos no mundo e no tempo quando nos surpreendemos vendo e observando o que é comum e, por um instante que parece mágico, percebemos que sua essência, sua unicidade é absurdamente especial e diferente, exigindo nossa atenção, nosso cuidado, nossa compreensão de sua totalidade.
Esse espanto filosófico não é o mesmo daquele que temos ao ver um preço alto, ao levarmos um susto, ao admirarmos alguém extremamente belo. Nâo é uma admiração comum, que fique por ali mesmo, na sensação admirada que foi o instante e que já passou.
O espanto filosófico é um deslumbramento de uma realidade nova, onde o manto do senso comum, do olhar passageiro e anestesiado por tanto barulho e tumulto é retirado. Às vezes aos poucos e outras, de uma só vez. De qualquer jeito, depois que se começa a enxergar o que há por baixo, não há como evitar suas consequências, seus movimentos dentro de nós.
Porque o espanto filosófico não apenas nos mostra como as coisas não são como pensamos como revela que também não somos ou permanecemos os mesmos de antes de nos admirarmos.
Algo se deflagrou e não há como voltar atrás.


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

ROTINA?

Finja que hoje é segunda:

Segunda-feira. De novo o começo da semana. Sábado de longe se avista. Novamente a via crucis do trabalho, a rotina, o dia-a-dia que sabemos de cor.
Já choveu, o tempo está nublado e desligo o computador às 10:00 hs da manhã. Hora de acarinhar as cachorras, falar que mamãe vai trabalhar, pegar os sacos de lixo na cozinha, sair de casa, apertar o botão do elevador e, enquanto isso, lançar os sacos de lixo lixeira abaixo. Dois quarteirões até a estação do metrô, quinze minutos até a Estação Carioca e mais uma rua inteira até chegar no Juizado. Tudo igual todo santo dia de trabalho se não fosse por... na esquina de casa, antes de pegar a reta dos dois quarteirões rumo ao metrô, escorreguei e caí.
Me ouvi falando "Nossa Senhora!" em plena queda e "Caramba!" quando limpava o joelho que beijara o chão mais que rapidamente. Dois segundos e já estava de volta ao meu caminho. Mas levei um susto. Com a queda e comigo. Não acredito em Nossa Senhora, com todo respeito, nem penso nela hora alguma do dia. E, convenhamos, Caramba! é meio antigo para se falar... por que não um palavrão?
Esquecemos que em toda rotina há sempre imprevistos, o inesperado se mostra, as surpresas se fazem, mesmo que pequenas, mesmo que não vejamos... elas estão ali. Então não há rotina a não ser a que pensamos existir. A rotina, se existe, é nossa única culpa. Por não percebermos pequenos detalhes ou tombos homéricos nos chamando atenção para o ineditismo de cada segundo, de cada momento que não se repete nunca mais.
Claro que não pensei nisso tudo enquanto me limpava agilmente e retomava meu caminho, tão aborrecida pela rotina, pelo trabalho, pela mesmice que eu mesma impingia às coisas que me rodeavam. Só fui perceber o grito do tombo quando parei no metrô e comecei a ler as crônicas de Martha Medeiros. Essa sim..atenta a tudo no mundo. Ao lê-la se percebendo de tantas coisas que não vemos dentro de nós mesmos, percebi que rotina nenhuma é pior do que a que criamos. Porque o mundo não se repete, nunca é igual e guarda surpresas sem fim.
Surpresas imensas, médias e, principalmente, mínimas . Surpresinhas tão pequenas que são como pequenas contas, miçangas coloridas que brilham quando nossos olhos desatentos finalmente as encontram.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

E VOCÊ QUER SE CASAR

Você quer se casar. Apesar de tudo e todos, acalenta esse sonho há tempos e nada pode contra seu romantismo. Já passou dos trinta e ainda permanece encantada com a idéia, afinal é tão lindo construir um presente juntos, escolher os quadros, a cor das paredes, dividir as gavetas dos armários. Chega a dar um frio na barriga imaginar os dias da semana, imagina, todos ao lado do seu grande amor! Não precisar mais sentir saudade, aquela agonia gostosa e ansiosa pela sexta-feira para poder finalmente estar junto e não ter hora de voltar pra casa. Fim de semana não é a mesma coisa de vida inteira, convenhamos!
E o sabor do beijo antes de pegar no sono, exausta e relaxada pelas peripécias amorosas recém realizadas. Que importa se vão roncar a noite inteira, se puxam o lençol na madrugada, se de manhã o jeito é esperar no corredor o banheiro desocupar.
Porque o amor é lindo e você quer se casar.
Até o dia que seu grande amor, mais íntimo e constante nessa prévia-de-casamento, quando se passa mais tempo junto que separado, mostra umas manias chatas que você não conhecia! Ou não percebia, tanto encantamento que cegava. É meio ranzinza, não gosta de barulho, não gosta de cigarro, não suporta televisão. Que coisa... tudo que você mais gosta!
E você quer se casar.
Ou quer o amor que não é perfeito mas que nossa...mesmo assim é tão especial? Só que difícil de conviver. Difícil de encontrar os sete dias e as sete noites na semana sem estranhar.
Você pensa, pensa, pensa e chega até a não querer mais pensar porque casar assim é impossível, uma fôrma apertada demais para caberem dois corpos e duas personalidades tão diferentes com algum conforto e harmonia.
Mas você quer se casar e, de repente, se percebe casadíssima mesmo sem saber!
Porque não há outro alguém no mundo que lhe interesse tanto, seus olhos viram vulcões quando pensa no amor e tudo de bom que acontece em sua vida você quer é compartilhar com ele, com seu ranzinza e cheio de manias, amor.
E se ele também sente isso, se encomenda um couvert do La Mole e compra chocolate da Kopenhagen para lhe receber à noite depois de uma noite de desentendimentos, se ele escreve coisas bonitas sobre o sentimento que tem e como a vida hoje é boa de viver só por sua causa e repete isso em torpedos durante os dias, os meses, o ano que estão juntos... amém!
Eu os declaro casados.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Textos enquanto se ouve Alanis Morissette I

O tempo que fiquei em silêncio, sentada no sofá da sala, observando, foi-se acumulando nos pés, nas unhas, na espera pela hora dos dentes. Em que morderia o que me prende. Arrancaria sempre de mim mesma em busca de você.
Que sinto o cheiro e o gosto já me arrepia por dentro.
O tempo em que fiquei em casa só me aguçou os instantes e de nada adiantou conter a ânsia, a vontade, o piscar nervoso dos olhos.
Eu só queria estar aqui.
Pele no corpo, alma na boca, seu nome no umbigo...a mostrar que não olho só pra mim.

sábado, 19 de setembro de 2009

O QUE NÃO POSSUÍMOS

Já fui roubada. Arrombaram minha casa e levaram câmera, Ipod, notebook, DVD... e toda a sensação de posse e segurança que eu poderia ter. A gente aprende. Ou passa a vida inteira tentando, o que já é alguma coisa.
Aprendendo que, na realidade, só possuímos o que somos e mesmo isso foge ao nosso controle, já que nos transformamos contínuamente, influenciados pelo que vivemos, pelo que passamos, sentimos, olhamos e vemos os outros passarem.
Na realidade não possuímos coisa alguma. Nem mesmo o sentimento já que é sabido que a paixão ninguém possui mas se é possuído por ela.
O melhor então é viver se sabendo livre de posses. Sem lenço, sem documento. Quanto mais libertos da preocupação de ter e, principalmente, de manter, mais felizes e recompensados seremos.
Por que quem já não passou pela experiência desagradável e humilhante de ter ciúmes exagerados, excessivos e posse em relação ao ser amado? Quem ganhou com isso? Provavelmente só o ser amado que , depois de um bem dado fora, foi viver e amar em outras redondezas.
Porque se não possuímos, também não queremos ser possuídos.
Não quero me sentir objeto, com o nome de alguém marcado na alma, presa à um domínio alheio. Meu dono sentirá por mim? Terá medo da morte quando esta me chegar? Saberá as incertezas e dúvidas de meu coração? Sentirá na carne, ou melhor, na cabeça, a dor de minha enxaqueca? Pode sentir tudo isso por mim, me aliviando das coisas ruins?
Se não pode, nada feito!
Agora... quanto a amar.. não existe nada melhor que ser amado pelo que se é, sem obrigações ou posses. Quem está ao seu lado está porque quer e, em todas as possibilidades do mundo - esse mundo tão vasto de pessoas e oportunidades - escolheu você. Vai ter medo de quê? E você também está ali, aconchegada àquele colinho que você conhece e ama. Aquele alguém que faz com que você se sinta grande por dentro, querendo ser melhor todo dia.
Duas pessoas que sabem estar juntas porque querem e nada mais importa... isso é possuir a vida.
A liberdade ainda é a melhor forma de ser de alguém.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

HÁ SEMPRE ALGUÉM ALÉM DE NÓS

Há sempre alguém além de nós. O outro que não somos. Quem queríamos, sonhamos nos tornar, aquele que rejeitamos quando lemos o passado, o outro não-eu que se faz no você ou nos tantos que nos rodeiam.
Porque deram nome às coisas. Chamaram de lugares, os espaços vazios. Alegraram o nada com batismos nem sempre aceitos por todos. Porque todos é um universo em perpétua mutação. Pensamentos, sentimentos, realismos, fingimentos, dores, raivas, invejas, mágoas, conquistas, delírios, derrotas.Todos é o ser misterioso que nenhuma Filosofia até hoje chegou a um consenso.
Porque o homem não é de concordância, mas de regência. Não é de aceitação mas rompimento e essa constante negação das coisas, de suas naturezas e denominações, é o que faz a roda girar e a Fortuna, essa deusa instável e voluntariosa, derramar sobre nós suas águas turbulentas, plenas de correntezas.




quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A BOA E VELHA INFÂNCIA

Todos que conheço lembram com saudade da época da infância. Ah... eu subia em árvores, soltava pipa, fazia as roupas das bonecas, andava sempre em bando... ouço, calada, torcendo para que não me perguntem o que penso e lembro.
Pois não gosto dessa época. É um período de vida que, se possível, não repetiria. A-DO-RO ser adulta e, claro, me considero alienígena, pois não há justificativas.
Não tive uma infância infeliz, de necessidades e privações, pelo contrário. Sei que brinquei, corri, joguei, tive Falcons, Suzis, um monte de playmobil. Passei férias em Paquetá, Cabo Frio, Caxambu, BH... tudo normal e perfeito. Por que então?
Acredito que seja, exclusivamente, porque não lembro de quase nada. Não lembro das sensações, do gosto das travessuras, das correrias nos recreios, da boa vida que temos quando a única preocupação é tirar boas notas.
Falam que normalmente esquecemos as coisas ruins e só lembramos das boas - verdadeiro perigo para relacionamentos falidos - pois nem as boas lembranças escapam de minha amnésia. Até os momentos inesquecíveis, acabei esquecendo.
Talvez por isso não goste de me imaginar criança. Como não se gosta de matemática ou física pelo único motivo de não entender. Temos o hábito de só gostar do que damos conta, do que dominamos. O que nos foge ao controle nunca é tão bom assim.
Talvez por isso mesmo a maioria idolatre a infância, época sacralizada de inocência e perfeição, tempo concreto que guarda nos ínfimos detalhes e em tantas lembranças reais e imaginárias que trazem estabilidade e certezas à vida. Mortos nunca têm defeito.
À mim, mulher sem passado, resta o presente contínuo em sua formação diária, com suas escolhas e opções, com as consequências de nossos atos e vontades, autores que somos de nossa identidade. Isso me basta.
O tempo passou e a menina que fui ficou para trás há muito.
Menina de quem não lembro e, por isso, mal conheço ou simpatizo.
Mas que sei que ri e faz careta quando não tem ninguém olhando.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O QUE É ISSO?

Ainda estou chocada com o que vi semana passada no trabalho: uma estagiária, cursando o 4 º período de Direito, escreveu - endereço - errado duas vezes. Uma em cada processo, tirando a possibilidade de um deslize ou qualquer explicação forçada de nossa parte que pudéssemos nos dar como justificativa.
Exagero - podem falar à minha reação indignada. Sei que pouco se lê e são diversos os motivos para tal mas endereço é palavra comum como pão e água, usada praticamente todos os dias, quando preenchemos fichas, cadastros e mesmo renovações de matrícula em faculdades.
À primeira vista nem identifiquei o que era aquela palavra. Seria outra língua? - Inderesso - difícil até mesmo de digitar sem ânsias e arrepios. Um dialeto pouco usado? Alguma língua morta?
E se o endereço está errado... para onde voltar após a labuta diária? Onde será esse lugar onde nossos erros crassos vivem e contaminam, com sua conversa mole e sedutora, os acêrtos de nossa língua?
Ninguém falou que se expressar era fácil. Às vezes passamos a vida inteira treinando, tentando nos fazer visíveis aos outros e ao mundo.
Ninguém disse tampouco que o caminho era simplesmente não pensar muito e não nos ater em detalhes, que a vida é curta e , se estiver errado, já foi, já passou.
Palavras têm força e permanecem até muito depois de ditas e escritas. CUIDADO PORTANTO!
Porque não basta sabermos como chegar à lua, à marte, à porta de casa. Não basta a ração diária, o nome assinado no ponto. A vida exige mais. Força, talento, dedicação. Em tudo, nosso traço. Nossa escrita marcada na história da Humanidade.
Um pouco mais de atenção e vontade de acertar é o mínimo que se pede.



terça-feira, 15 de setembro de 2009

CHOVEMOS

Ontem choveu.
O dia amanheceu nublado, cinza-triste, com ventos e escuridões.
Os rostos nas ruas, fechados. Pessoas sérias, apressadas, no ritmo frio do tempo.
As ruas molhadas, o asfalto chiando ao passar dos carros, poças, bueiros entupidos, sujeiras.
As roupas cinzas, pretas, guarda-chuvas abertos mantendo ainda mais distantes as pessoas. Os corpos se movimentando mais anônimos que nunca, uniformes em suas faltas de cor.
Que mundo é este por onde andamos? Onde o de fora influencia e modifica o de dentro?
Que seres somos nós, tão influenciáveis, tão seres-esponja que tudo absorvemos e depois nos desesperamos por tanto conflito, desajuste, desengano?
Dias de chuva, dias sem luz fazem repensar caminhos, questionar as direções já tomadas. Tantas sem retorno.
Em dias de chuva, chovemos juntos em uma união inexplicável com o universo. Somos parte de um mesmo todo. Parte terra, parte mar, parte estrela, profundezas, altitudes.
Talvez por isso os conflitos, as angústias que nos assolam sem sabermos o porquê e choramos no ombro do ser amado que nada entende. Quem poderia?
Somos parte de um mesmo mistério e o pouco que temos do absoluto não nos acalma a alma.
Quem sabe o sol nos faça um pouco mais sutis, um pouco mais leves, dispersos e distraídos de nós mesmos, displicentes com nossos abismos, ignorantes do tanto que nos falta ser?
Quem sabe o sol nos traga de volta a inocência.


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

NO MEIO DO CAMINHO HAVIA UM METRÔ

Se há um transporte que nos leve ao além da vida, deve ser parecido com o metrô. Não há um dia em que nele viaje que nao me imagine em meu caminho no pós vida, nesse espaço-tempo questionável em relação ao próprio tempo e, principalmente, ao espaço como nós o conhecemos.
Uma viagem que pára - não usarei a nova ortografia, entalada na garganta - em estações onde levas de gente entram e se acomodam.
Pessoas de diferentes tamanhos, idades e gostos. Uns carregando bolsas, outros mochilas e alguns a carregar apenas um livro ou jornal.
Fecham-se as portas e continuamos nesse caminho sem paisagem na incógnita de nossa chegada.
Subterrâneos, podemos dar em qualquer lugar mas não há pistas se céu ou inferno. E as pessoas continuam chegando, comentando a novela, o jogo, a tarde quente lá fora.
E se realmente estivermos mortos e não tivermos nos dado conta de que tudo mudou mesmo parecendo ser o mesmo de todo dia?
Porque para mudar não precisamos morrer e, para não perceber as mudanças que nos circundam, menos ainda.
Acordamos distraídos não apenas ao que nos cerca mas geralmente ao que nos faz ser o que somos. Assim, vivemos como outros, alheios à nossa própria essência, displicentes de que nosso tempo sempre será curto para que nossa consciência finalmente desperte e busque, apressada, aquela pessoa tão interessante que se deixou de ser no meio do caminho.
Sim... no meio do caminho há sempre um metrô. Um espaço para que se pense, enquanto as estações vão passando, sobre o que realmente importa na vida...sobre a humildade necessária ao pão de cada dia.
No meio do caminho há sempre um metrô. Que me lembra, todo dia, que sou pequena e pouca e menor ainda é minha sombra sobre o mundo.



domingo, 13 de setembro de 2009

DOMINGO É DIA DE POESIA

Dois poemas de Pedro Amaral de seu livro Vívido, ed. Sette Letras, 1997 - Por onde andará esse rapaz?


VÍVIDO

Não senhores não se importunem
com essa indisfarçável tristeza,
tristeza por nada, repentina,
que nada aplaca ou anima.

Não é amarga, não tem ranço,
não empesta o ar nem arrasa,
é como um pássaro batendo asas
pela casa
adentro, já passa.



A BENÇÃO

Quando ela me falou
- já quase quando se despedia -
do calor que experimentou
ventre acima, ao ler
aquele pequeno poema
que justamente
desse candor dizia,

Eu lhe sorri, me disse agradecido,
não sem aquela certa constrição
de quem recebe retribuição
muito maior do que o oferecido.

sábado, 12 de setembro de 2009

UMBIGUISMO

Tímida, me arrisco neste espaço. Respiro fundo e teclo o que penso, acho, divago. Depois, sem questionamentos maiores - senão paraliso - clico em publicar post. E assim o blog vai se formando, tecendo seus textos no espaço metafísico que é a virtualidade.
Vergonha em admitir que os assuntos acabam sempre sendo pessoais demais. Mas essa não era a proposta? me pergunto. Mas será que precisava escrever tanto de mim, me colocando frente às questões que incomodam ou encantam, seduzem e me fazem viver?
Ou será uma carência infinda de ser lida, gostada, acarinhada pelos olhos alheios onde não vejo a recusa, não sinto qualquer reprovação e apenas me conformo sabendo-me percorrida em letras, frases e vírgulas?
De qualquer forma é uma forma de umbiguismo... mas porque reprimir tanto esse impulso tão atual, tão pós-moderno?
Que esse blog seja então mais uma tatuagem a que me dou o direito. O piercing que não tenho coragem de pôr. O cabelo ruivo que deixarei para outra encarnação. O umbiguismo que não me permito nas outras vinte e três horas do dia.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O PRECIOSO SILÊNCIO

Porque preciso do silêncio. Essa onda sem quebra ou espuma. Esse céu sem nuvens ou ventos.
Do silêncio do instante do gosto, quando ainda não se decidiu se amargo ou doce, picante ou salgado. Da boca sem expressão, puro risco cercado de pele e sensação. Silêncio de esperas e pensamentos.
Para que as palavras venham.
Ousem sair de suas cavernas, suas profundezas marítimas, seus ermos paraísos de puro entendimento.
E se precipitem nessa realidade humana caótica e barulhenta a que pertencemos por direito e merecimento.



OUI SERÁ O MEU SIM

Penso em aprender outra língua e logo me ponho a imaginar as filosofias de linguagem que se questionam sobre significados, nomes, conceituações.
Há quem pense na velocidade do tempo, na fluidez das coisas, na impossibilidade mesma de se identificar um nome a algo uma vez que tudo muda tão rapidamente que não haveria sentido tentar reter a essência de algo em uma nova palavra. Lembramos sempre do dito de Heráclito, que não é possível se banhar duas vezes no mesmo rio. As águas se renovam e nós também.
E assim me questiono sobre o futuro. Como verei o mundo e as coisas tendo outra língua sendo gerada por dentro? Sendo injetada, correndo pelos mares revoltos de nossos neurônios e suas ligações? Verei o mundo da mesma forma ou outros caminhos de percepção se abrirão? Não me lembro quando aprendi inglês, não posso sequer reconhecer o que me aguarda... era jovem e, junto à linguagem que se fixava em mim, me formava como ser pensante que, tão ocupada em contínuamente me transformar, não me dava conta do que em mim se agregava.
Semana que vem novas portas se mostrarão à frente e, de repente, ao fundo de mim. Será interessante ver agora, mais consciente do próprio pensamento que me faz quem sou, como o mundo se tornará. Tendo várias culturas, palavras e sotaques para definir as mesmas coisas.
Serei a mesma a escrever neste UM OUTRO MAR ou UM OUTRO EU tomará o meu lugar?



quinta-feira, 10 de setembro de 2009

QUEM TU ÉS

Diga-me com quem andas que te direi: Parabéns! Pois se há resposta para esta pergunta é que não estás sozinho no mundo. Mesmo que não seja em companhia de outro corpo, outra alma que não a tua.
És sempre teu próprio acompanhante, teu companheiro mais fiel, mais assíduo e, porque não, mais íntimo. E esta via é a mais difícil, a mais complicada forma de amizade.
Como suportar os defeitos que encontramos, como superar as decepções, as mágoas que nos causamos, como não rejeitar aquela falta de decisão no momento preciso? Como querer ainda caminhar junto, depois de tudo?
E, mesmo assim, caminhamos. De mãos e corpos dados! Em conversas intermináveis e em uma relação que se estreita com o tempo. Afinal não dizem que com o passar dos anos nos conhecemos melhor? E a saudade que sentimos quando nos separamos nas intermináveis horas do trabalho que não nos define e que nos ausenta de nossa própria essência?
Quando engolimos o último minuto do serviço obrigatório, que felicidade podermos voltar a nós mesmos e nos cumprimentar por nos revermos ainda com saúde e tantos planos! Há que se conseguir essa proeza sempre porque o outro caminho é o da separação. E este... deixamos para depois, quando o inevitável surgir - sempre no susto, no imprevisto, antes da hora marcada - e naõ pudermos postergar mais o fim de nosso encontro - o mais duradouro e íntimo encontro de nossas almas conosco.
Diga-me com quem andas que te direi: és!


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O DESPERDÍCIO DE PLATÃO

Semana passada assisti uma palestra na Casa do Saber sobre Platão. Era para ser uma palestra mas acabou se tornando uma aula para iniciantes.
Na primeira fila uma moça interpelava a palestrante o tempo todo para que lhe fosse explicado todo conceito de filosofia platônica que fazia parte de seu discurso.
Assim... o que era para ser um "banho" de Filosofia, com direito à banheira de hidromassagem, espumas e sais, se tornou uma chuveirada fria em que a água vinha aos jorros por um problema de encanamento.
Por que temos sempre que interagir? Por que não podemos ouvir, observar, contemplar informações novas nos permitindo o tempo do encantamento, o tempo próprio do conhecimento se fazendo sentir por nosso intelecto, nossa alma faminta pela riqueza humana dos que viveram e pensaram antes de nós?
Por que não conseguimos digerir frases inteiras com encadeamento lógico antes de querer saber o porquê das coisas fora mesmo de seus contextos? A pobre moça interrompia até mesmo a própria explicação que exigia, querendo saber dos outros se ela era a única, afinal, a ter dúvidas.
Bom... dúvida se tem quando se sabe algo mas algo neste algo não ficou bem claro... certo? Não sendo o caso do próprio e total desconhecimento sobre o assunto.
Resumindo: a palestra de duas horas se tornou uma aula inaugural de uma Introdução à Filosofia. O que, acredito, não era a intenção dos espectadores e, de certo, a minha, que voltei para casa tão desapontada quanto a palestrante, tradutora de grego, diretora do Departamento de Filosofia da Puc, que teve que reformular toda sua apresentação. Nos deixando frustrados por sabermos ter perdido um verdadeiro banquete em tempos de fome mundial.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

UM OUTRO MAR

Muitos dias passei a imaginar títulos para este blog. Pedi ajuda aos céus, aos deuses, aos meus neurônios e até à minha mãe. De nada adiantou.
Queria um espaço para falar das coisas - essas, múltiplas, que acontecem dentro e fora de nós, com os desconhecidos e com quem amamos, coisas que acontecem porque observamos a vida com atenção, coisas que nos passam despercebidas e que só na curva da esquina, vislumbramos.
Um lugar que não fosse pretensioso uma vez que a filosofia que o rege é a de não se ter certezas absolutas. Afinal... quantos deuses existem que escrevem em blogs?
Queria um espaço para simples comentários, pensamentos em voz alta, um lugar para descobrimentos - porque às vezes só exteriorizando o que nos vai por dentro é que realmente nos damos conta do que somos e do que o mundo é para nós.
Sem absolutos ou dogmas mas opiniões e convicções pois toda história - como todo crime - tem, pelo menos, dois lados, duas versões.
Assim como o mar e suas marés, suas cores, profundezas, correntezas, ondas, temperaturas.
Por isso este espaço que tanto serve para se molhar os pés como se aprofundar nos mistérios das profundezas abissais de nós mesmos.