sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O QUE ASSUSTA AS COISAS

O barulho assusta as coisas. Fechas as coisas em si mesmas. Que não se mostram mais como são.
Talvez por isso vivamos em um mundo ilusório.
Somos ruidosos demais.
Falamos alto.
Gritamos.
Reclamamos.
Nos comunicamos como se fôssemos a única espécie com direito a ocupar todas as ondas sonoras.
Exageramos.
Depois não entendemos porque tudo acontece de forma diferente do que pensamos ou esperamos.
Eis a vingança do mundo: o silêncio se fazendo presente pelo menos em nosso espanto.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

TEMPO

Um dia resolvi escrever sobre o tempo.
Essa coisa que nos atravessa e modifica e metamorfoseia nosso fora e nosso dentro com seu objetivo questionável e indecifrável. Há sentido nesse correr, nesse movimento de começo e fim? Ou será que, pensando nessa ordem aprendida e repetida exaustivamente de que as coisas têm que ter início para que se desenvolvam e finalizem, haja visto até hoje como funciona o esquema de uma redação: introdução, desenvolvimento e conclusão?
Mesmo que subverta a ordem para parecermos moderninhos ou criativos, há sempre a necessidade de se identificar um desenvolvimento que ambiciona ou almeja um fim.
A vida - essa com quem nos deparamos em nossas questões, emsimesmamentos, crises e espantos - se mostra, de fato, tão ordenada e objetiva assim?
Ou as coisas se atropelam e dançam a valsa louca da contradição, incoerência e imprevisibilidade de nossos "destinos"?
Como fugir até de um vocabulário que determina o pensamento? Pois se o que nos aguarda é o nosso destino e o que se destina, é a consequência, o alvo, o ambicionado em algum começo, se faz um círculo vicioso.
Mordemos o próprio rabo na busca por sentido - eis novamente as palavras nos pregando peças. Sentido - lembra direção, direção avança para algum lugar, algum provável "destino", que é o fim onde se quer chegar. Ou se chegou mesmo sem querer pois a vida não tem lógica, ordem, sentido ou destino.
Posso viver e alcançar meu começo ou sentir que não estou a meio caminho de nada ou que encerro aqui minha caminhada, por livre e espontânea opção, contra toda a expectativa mundial.
Afinal o que é o tempo a não ser essa mania de dona de casa caprichosa que cisma que tudo tem que ter seu lugar e ai de quem desarrumar?
Proponho esquecermos os parâmetros aprendidos para uma vida mais liberta de tanta expectativa quanto ao futuro.
Afinal, o futuro pode ser agora.
Ou já passou e nem notamos.

sábado, 24 de outubro de 2009

BUSCAR O DOCE

Buscar o doce onde o sal impera. No meio da dor, no calor do último abraço, na marca de sangue na parede.
Buscar o doce como quem nega o que não pode. O que não supera. Salgado viver. Tão cheio de pedras que não se dissolve nem quando se cercam de mar. Água salgada que banha o mundo.
Onde o doce senão nas frutas, nas flores, nos bicos dos pássaros? Na rapidez do vôo, na única floração do ano, na estação da colheita?
O doce tem hora. Momento certo. Como se recompensa fosse. Lembra das sobremesas. Dos docinhos nas festas de aniversário, contrabalançando o salgado do tempo que já se faz presente. Lembra o guaraná na casa do vô. Os caramelos. O bolo de milho na mesa sempre posta. Infância tem gosto doce? Ou o sal se impõe naquela mordida em que a língua sangrou e nunca mais se foi inocente. Quando se roubava dinheiro da bolsa da mãe pra comprar frumelo. E a mãe não percebia. Ou fingia não perceber. Assim, os crimes passaram em vão. Sem gosto algum.
Doce era ver pelas frestas, nas entrelinhas, ser mais sábio que os outros. Depois perceber que era de um doce amargo essa consciência das coisas. Antes não se provasse.
Buscar o doce onde o sal não impera. Talvez vivendo em outro mundo, outra galáxia, em um tempo ainda não criado.
Onde o sal não impera.
Quem dera existisse o brigadeiro absoluto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL IV

Ia puxar a descarga pela segunda vez. Distração ou sensação de que a merda era tanta que só muita água poderia levar para longe?
Que falar então do que havia feito.. Aquilo sim não daria para deixar de existir. Como também a merda que tinha ido pelo vaso ainda boiava em algum cano, tubo ou atoleiro qualquer. Uma vez que saíra de sua vista não pensava mais a respeito. Imagina se ia gastar neurônios ruminando onde estaria toda a merda que todo mundo faz. Igual ao erro de sua vida. Nem toda a água levaria embora. Rios. Mares. Seria pouco. Lágrimas. Nem que chorasse até a morte.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL III

Antes dividíamos tudo. Até as leituras. Os nossos Austers. Sartres. Nossos Borges. Machados. Até que um dia quis a Lygia só para ele. E o Caio. O Cuenca. Me roubava o Fawcett. O Thomas. Me negava o Rodrigues. O Hugo. A Patrícia. Começamos a brigar.
Um dia encontrava um pedaço de folha na cama. Outro, a palavra fim rasgada ao meio. Depois o jogo sujo. As capas pelo chão. Primeiro e último capítulos no corredor. Até sobrarem apenas palavras que, juntas, formavam seus recados para mim.: VÁ SE FODER. De três livros diferentes. Gramaturas e tipografias específicas., editoras concorrentes. Até não sobrar nada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL II

Era difícil ler, percebera. Ficar mais de cinco minutos tentando seguir a mesma frase que cismava em pular as linhas. Não podia ser normal. As palavras brincavam sob seus olhos. Se escondiam e depois surgiam maiores, cheias e negras à sua frente, unidas umas às outras como uma imensa locomotiva. Um terremoto. Diálogos desmoronavam. Exclamações viravam reticências, interrogações desapareciam em um passe de mágica. Algo muito estranho acontecia. E aquela dificuldade na leitura, com tantos livros á sua volta. Ora faltava-lhe ar. Ora oxigênio demais o fazia delirar. Se auto-proclamava profeta em um planeta decadente. Último dos leitores a se despedir de um mundo iletrado. Encarnação de D. Quixote, Cristo, Gandhi. As letras a escorrerem de seus olhos como o sangue dos santos. O fim próximo. Melhor desistir dos arrependimentos. Deixar as orações e súplicas para outra vida. E começar a ler as últimas linhas dos últimos livros que ainda restavam nas estantes.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

JUÍZO FINAL

Eram pequenos barulhos. Como se fossem gotas a baterem no telhado. Mas os barulhos andavam. Se moviam, movimentavam. Pareciam correr para um lado. Depois parar como se escolhessem. E partir para o outro. Ratos? Suas mãos tremeram. Tinha verdadeiro horror a ratos. Lembravam infância, crianças, porões. Fechou o livro e prestou mais atenção. Agora eles paravam. Um . Dois. Três segundos e a corrida recomeçava. Cíclica. Ritmada. Ratos não agiam assim.

“Onde você está?” ouviu uma voz perguntar. Depois os barulhos. Quis responder mas não sabia o que dizer. Onde estava? Sentia como se nunca houvera saído. Jamais ultrapassara a porta. Os barulhos se repetiam. “ Onde você está?” insistia a voz. Tentou responder . Mas não deu tempo.



domingo, 18 de outubro de 2009

O GRANDE RELÓGIO

O homem do tempo se pertunta: o que mudou?
Sentado no grande relógio do universo, suas pernas balançam sobre nossas cabeças. Chegamos a sentir o vento a despentear cabelos, a distrair a tensão de existir.
E o homem, sentado ainda, se pergunta, distraído e levemente preocupado: o que mudou?
Talvez soubéssemos responder se ao menos calássemos, por um momento, todas as perguntas que fazemos. No silêncio as respostas não têm onde se esconder e vislumbramos seus movimentos fugidios, aflitas e envergonhadas por se saberem visíveis.
O grande relógio roda sem parar no universo e deita seus ponteiros sobre os braços do homem que se pergunta, eternamente: o que mudou?
Seis horas - toca o relógio.



sábado, 17 de outubro de 2009

AS POSSIBILIDADES DO HOMEM

Deus criou o homem como o melhor de si mas o homem não cumpriu os objetivos divinos. E , por isso, o homem se culpa e se revolta.

Na culpa, cria a esperança.
para que possa sonhar com dias melhores, para que sua noite seja tranquila e possa procriar em filhos e objetivos.
Sem a esperança o homem nada poderia fazer.
Paralisaria ante o fracasso de sua finalidade, perdido em névoas, entristecido pela própria culpa que lhe define.
Para fugir desse amargo destino de salgados e negros mares, espera pelo doce da chuva, que vem para lavar suas mãos calejadas. Mãos trêmulas e humildes que se unem para Deus ou para os seus, em um gesto de adoração ou em um afago de cúmplice compaixão.

Na revolta, cria a mágoa que lhe renova o gosto ruim pelas coisas, pelos seres, pelos homens.
Inveja o que não tem e não permite que tenham.
Ambiciona a eternidade que nunca lhe foi dada.
E não entende quando lhe estendem a mão pois lembra, ressentido, do nada que lhe assola. De que adiantariam momentos esparsos de suave alegria?
Na revolta, no requentar de sua fraqueza, o homem se cega pois só vê o não-ser, seu lado que inexiste, dolorosamente.
E cria a angústia, veneno da falta, para os momentos do dia.
Porque à noite, sozinho em casa, clama aos céus com fechadas e agressivas mãos, em despeito ou apostasia, por sua auto-piedade desmedida.



sexta-feira, 16 de outubro de 2009

PARA VOCÊ ME ENTENDER

Se eu pudesse ver a bondade em tudo que o dia se faz, eu veria.
Se pudesse acreditar na loucura do homem como fonte de sabedoria,
se as dores não gritassem na rotina, na monotonia,
talvez não precisasse de tanta filosofia.

Se busco nas origens, explicação;
se questiono, interrogo e me banho em meu próprio mar de insatisfação,
pelo gosto ideal, jamais provado, do justo e do bem,
é que sonho com dias melhores
e esse sonho me mantém.

Porque é fácil dizer que não gosto simplesmente
de qualquer lugar, qualquer programa,
qualquer tipo de gente,
sem pensar no porquê e nos motivos
que me fazem tão diferente.

Não é por escolha ou opção
que prefiro o silêncio à canção,
que não gosto de rádio ou televisão,
que me irrito e vou de 8 a 80 sem aviso algum.

É que o tumulto já é demais por dentro
onde questões me desorientam
onde nem chão, nem céu, nem terra, nem ar
são certezas onde me creio habitar.

E por isso busco, devorando o tempo de minha eternidade,
uma réstia de luz,
um breve sorriso da verdade
que me traga, no fim, o acalanto seguro
para dormir um sono profundo
em paz.

QUESTÕES

Vivo um dia após o outro sem acreditar que essa linearidade de fato aconteça.
Apenas meu corpo se move e se mostra nesse andar no presente, no seguir dos olhos dos outros.
Porque em minha mente, ou dentro de alguma parte de mim que também pensa, uma vez que me misturo à carne, aos músculos, aos ossos, veias e sangues, sem poder afirmar onde me fixo e qual o limite que não sinto, vivo muitos tempos ao mesmo tempo.
Correm-me épocas e pessoas que fui.
Quando criança, adolescente, bebê, adulta e velha que vê e analisa ou contempla contínuamente a si, aos outros, às coisas, aos seres - desde os pequenos insetos às montanhas e mares.
Não estamos e somos todos os lugares?
Em minha a Humanidade não respira?
E conspira, ao mesmo tempo, por sua aniquilação e eternidade?


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

EXPLICAÇÕES

Não penso em uma filosofia da destruição.
Não ambiciono a vida sem o homem sobre a terra.
Não sonho com a extinção da racionalidade e, com ela, todo seu mal.
Porque pensar é também invejar, invadir, desumanizar, excluir, maltratar, julgar, fazer sofrer, doer, humilhar, menosprezar. Todos pensamentos, fundamentados em convicções e sentimentos, que ousaram se concretizar na realidade pela ausência e ousadia dos atos, dos gestos, do agir.
Mesmo assim não creio que o homem esteja perdido embora, em si, encontre tantos caminhos que sua existência é quase sempre desnorteada.
Me encanto com os pessimistas.
Outro dia vi um documentário sobre Emil Cioran e fiquei atordoada. Com a força, o vigor, a vitalidade e a virulência de suas palavras.
Porque de livros e discursos mornos o mundo já está cheio e não nos comovem ou instigam mais. E de que servem palavras se não forem para transformar, para pôr em movimento nossas visões sempre mutáveis da vida e dos seres?
Não há Filosofia sem se depreciar o mundo?
Ou apequenizar o ser humano e sua necessidade agônica em se sentir justificado em uma existência que não entende?
Não me considero pessimista embora tenha uma queda intelectual pelos niilistas, pelos que trazem as mãos sujas de tanto mexer e escavar o fundo do homem.
Porque se lá está a perdição... por que não acreditar que em algum lugar, entre a sujeira, a lama, a carne e o sangue, também não estejam a luz, o sol, o brilho que nos cegará de respostas e compreensão?


MEU JEITO DE CELEBRAR

Comemoro, nos aniversários, a vitória. A conquista sobre a vida por mais um ano. Porque a cada dia milhares, milhões de possíveis e infelizes desencadeamentos poderiam ter se sucedido e a vida se interrompido drástica e, muitas vezes, dolorosa e humilhantemente.
Quando falo que comemoro não a nova idade e seu futuro - incognoscível mas tão esparançosa, idealistica e utopicamente celebrado já de antemão - mas os dias que se passaram à margem do fim, falam Cruzes! e me olham como se eu fosse um corvo, um "Never more" lúgubre a espalhar minha sombra fria sobre suas douradas ingenuidades.
Talvez seja preciso acordar desse sono passivo de apenas ver o lado "feliz", leve e cor-de-rosa da vida. Que eu nunca consegui com meus olhos atentos e astigmáticos, enxergar.
Em tempo algum gostei de histórias de princesas disneyanas e finais felizes para sempre pois sempre tiraram a densidade, a complexidade, a carne da existência e da vivência humana.
Vida que para mim, para ser digna, é aquela em que camponeses brutos e rudes agarram suas ferramentas para combater as intempéries do tempo, dos humores, das doenças, dos acasos, das fatalidades.
A coerência que exijo é a mental. Que os atos e a vida estejam em conformidade, que sejam sangue do mesmo sangue de seu pensamento, de sua emoção, de seu sentimento que se transfiguram em atos, escolhas, caminhos. Conscientes e coerentes à aceitação de suas consequências. Sejam de glórias ou infortúnios.
Os dias não se seguem iguais.
Nem os tempos, tão relativos a lugares, épocas, motivos, ambições, resultados.
A indução nos engana no chão que nos mostra e se quer real.
Mas não há nada em que se possa confiar.
O sol se retira e a chuva desaba.
Um pássaro grita no ar.
O vento desarruma os cabelos.
A poça era mais funda e a pedra que se chutou distraidamente, não saiu do lugar.
Não há o certo.
O previsto.
Muletas a se escorar.
Por isso comemoro os aniversários ao meu modo.
Vejo o bolo como minha coroa de louros.
E meus convidados, as pessoas a quem preciso, sobrevivente e vindo de uma guerra, dar a notícia da vitória.
Há que se comemorar o passado.
O ano em que, apesar da vida, permanecemos.
E não entregamos as armas porque a luta ainda não terminou.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O EU

Querem esquecer o Eu.
Tirar a subjetividade do conhecimento, do movimento da cognição do mundo. Destruir o império absoluto de quem conhece as coisas. Mas o mundo não sou eu quem crio?
As coisas acontecem porque estou inserida nesse movimento ou minha inércia, minha extrema passividade, geraria outra forma de ser do mundo?
Primeiro, há que se negar a total passividade. Como já falei anteriormente em outro post - A necessidade cega da matéria - não há como não motivar consequências no mundo. Mesmo que assuma uma postura passiva, de inércia, de apatia ao que me cerca.
Não há como.
Pois sou, independentemente de minha vontade, comprometida com a existência e, por isso, mesmo que inerte aparentemente, influencio o acontecimento das coisas. Minha não-ação é uma atitude de força imanente em que, veementemente, me nego o movimento.
Vê a força? O dispêndio absurdo de energia nessa decisão pela imobilidade?
Me comprometo.
Por ser, por existir, por ter limites, por tentar rompê-los ou aceitá-los como refúgio ou morte.
Eu.Eu.Eu.
haverá forma humana do não-eu? Se mesmo na negação sou minha própria referência, se para evitar o choque com a pedra, reafirmo a existência e a dureza da pedra, confirmando a existência do mundo e a dor de seu encontro com meu corpo, que se grita, se machuca, se faz presente no rompimento de seu silêncio.
É um voltar em círculos? Todo retorno parece circular. Porque se volta para se recomeçar e a cada curva, a velocidade aumenta e o centro se aprofunda se reafirmando, mesmo não se querendo.
Como esquecer o Eu que canta, que sonha, que imagina, que problematiza, que escreve e se irrita com o pouco horizonte que essa visão lhe permite?


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

BREVE RASCUNHO DE ALGO QUE SE QUER MAIOR

Se me fixo em regras,
se me cerco de manias,
se repito normas e gestos,
se espero que os dias sejam, ao menos, parecidos,
e que os sentimentos se perpetuem uma vez nascidos
é que algo de caos respira em mim.
E sabe, silenciosamente, que a força que nos rege não é a rédea ou a ordem.
E é no medo de permitir que vivemos.
Tanto eu quanto você, os olhos fixos em nossos próprios movimentos.
Que não ousam se sobrepor ou se libertar de nosso alcance.
Nosso fôlego não chega a tanto.
Um dia, certamente, tudo isso se perderá e não será fácil reformular a vida em seu auge de luz.
Mas poderemos nesse dia, querido, finalmente... CRIAR.

domingo, 11 de outubro de 2009

SONO.. MUITO SONO

Ter sono quando se tem tempo para si. Cruel.
Dormir quando se pode, no silêncio, ser. Da maneira própria que se é : ocupando um espaço, a voz dentro do corpo, a pele morna.
Mas o sono dá as ordens e fraqueja a vontade de simplesmente e apenas ser.
Fraca, deito na cama e me cubro com lençol azul.
Frio lá fora. Nuvens se fecham e a tarde passa no vento gelado que atravessa a sala.
Quem dera ter raiva, cólera ou qualquer outra dessas ânsias, dessas primitividades, para me manter alerta.
Mas não há inimigos ao redor. Nenhuma ameaça que me mantenha, força contida, apta à vigília e intensa na vontade da luta.
Os olhos ardem e reclamam escuridão.
Apago o abajur.
Agora sou eu e meus cães. Que sonolentos também deixam a casa à mercê do domingo.
Amanhã recomeço.



p.s. Esse texto foi escrito semana passada, o fim de semana nublado, domingo à tarde... tanta coisa para ler, estudar, fazer... e um sono insuportável.

sábado, 10 de outubro de 2009

O BARULHO

O barulho vem da janela.
Um rádio em alto volume , uma música que não se distingue mas sente-se as pulsações. E ruídos, som de vozes, mistura que se faz sem forma, pura atribulação sonora.
Por isso não gosto muito de gente.
Que precisam ocupar os instantes - todos - com sons e presenças. que se espalham feito ar contaminado na necessidade forçada de uma epidemia.
Mas também sou gente, ser vivente com cordas vocais e um corpo que se movimenta. E, no movimento, a possibilidade de ser como todos, ocupar espaços, a espalhar minha existência por cima de outras existências que vão se acumulando fazendo a massa humana que se esbarra na rua, que encontramos no shopping, nos bancos, no ir e vir de todos os lugares.
Há domínio singular no universal?
Meu silêncio não invade o espaço alheio.
Matéria delicada e sutil, mais refinado que o próprio som, o silêncio se deixa por ele transpassar. Assim, o que me resta é ver a paz rompida e a influência dos outros a me encostar no quarto, arrancando de minhas mãos o livro e a caneta, tomando de assalto as palavras entre minha boca e o papel, levando-as para longe, para a perdição do esquecimento.
E isso que me afronta, que invade com seu exército inominável minhas glebas de lavoura e pasto, tem a força dos possessos, dos endiabrados, dos que perderam a fé na eternidade e, por isso, condenam todos ao seu próprio destino.


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A FALTA

A falta é o que angustia.
Aquele vazio de busca que nunca se intera.
Aquela ânsia por revelação. E que justificam os livros, a escrita, a vã tentativa do descobrimento.
Enquanto escrevo, percebo. E me surpreendo por não haver percebido antes, com a ajuda dos outros sentidos. Olhar, tocar, ouvir, sentir gostos e cheiros não me fazem vislumbrar o que a palavra traz.
Talvez os sentidos sejam fracos.
Ou distraídos.
Ou sua natureza seja superficial demais.
Mas é minha própria natureza! Então o homem é planície, sem surpresas em sua essência?
Mas há a falta.
E com a falta, a fome por respostas.
E só pergunta quem não é plano mas tem arestas, fundos, relevos.
Porque a pergunta é um incômodo. Causado pela dúvida, pela ignorância, pela curiosidade que é o agitar da alma.
O que faz a falta?
O que cria a angústia?
Será por tédio que nos transcendemos?
O mundo se molda em minha mente enquanto escrevo. E sussurro, murmuro como em uma prece á medida em que palavras saem da boca e logo encostam no papel.
Talvez por isso falem de Deus.
Do verbo que se fez Homem.
Verbo: mais que ação - PALAVRA.



quinta-feira, 8 de outubro de 2009

POR ISSO... CUIDADO!

Posso dar um passo e acabar ali.
Não mais viver.
Não mais existir.
Como se vida e existência fossem a mesma coisa. Não são. Mesmo assim posso deixar de viver e existir no próximo passo.
Por isso muito cuidado com as palavras. Com os beijos dados. Com os sorrisos e cenhos franzidos entregues ao mundo, ao tempo que se teve.
Que nunca é demais e sempre menos do que se espera. Embora não se possa, racionalmente, fazer planos com o porvir.
Nada sabemos do dia seguinte! É uma aposta arriscada onde todas as fichas estão na mesa. E não é caso de saber jogar melhor, calcular, prognosticar. Sorte. É pura e solamente sorte.
Mais um passo e fim.
Chegamos no nosso andar, nosso ponto, nosso destino. Mesmo não querendo ou negando até o fim.
Que pode ser bom ou ruim, quem sabe?
E por não saber, cuidado com os atos, os abraços apressados, as saudades não saciadas, o afago, o afeto, a ternura não vividas.
Porque basta um passo.
Um piscar de olhos.
Uma carta errada.



quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O NOME DAS COISAS

Há um estrago na linguagem.
Digam que não e cancelem meu pensamento. Porque permaneço acreditando que nos enganamos quando falamos, quando damos nomes às coisas, essas coisas que estão em toda parte e que não cabem em nenhuma definição, em nenhuma palavra que as oprima como também nós não nos definimos dessa forma tão angustiante.
Tentamos ardentemente e o que conseguimos?
A linguagem é sensual e se engana. Como nossos sentidos que tanto dependem da saúde e da sorte de nossos corpos.
Como pôr todas as fichas no que é temporário e não vai ficar para ver os resultados? Como acreditar no que me engana ao longo dos anos ou na distância mesmo que se mede pelo tamanho das sombras?
Há algo a se corrigir, a se morrer tentando a real comunicação.
Porque se damos e aprendemos os mesmos nomes para as coisas, por que não nos entendemos?


terça-feira, 6 de outubro de 2009

MEMÓRIA

Em minha memória, tudo se apaga.
Como o cigarro em um cinzeiro, apenas a fumaça e o cheiro ocupam espaço.
O que antes era matéria se consumiu com o tempo e a ânsia de nossa vontade.
O desejo de sorver a vida a queima mais rápido e a faz esquecida.
Em minha memória só há o presente.
Como se o cigarro queimasse lentamente e só o fogo permanecesse o mesmo.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ACONTECE

É uma náusea que vem da cabeça. Pulsando, martelando, lembrando que sou feita de entranhas e não apenas estranhas aparências.
É um enjôo que me derruba mas como reclamar se não me alimento como deveria, como devem os homens que se querem perenes? Como se a saúde fosse o objetivo da vida e não parte apenas dela - e não necessária, diga-se de passagem! - já que tantos vivem, ou melhor - sobrevivem - em constante tortura, sem a tranquilidade dos ignorantes.
Porque ignorar é não ter conhecimento e aí se fixa a felicidade.
Nesse espaço morno e aconchegante entre o conhecimento e a superfície, o denso cabedal do universo e a fina pele das coisas.
Impossível querer provar o amargo do cosmos e não ter, por isso, enxaquecas homéricas.


domingo, 4 de outubro de 2009

ARESTAS

Quando cortamos nossos excessos parecemos limpos.
Realmente estamos?
Preste atenção quando alguém corta o cabelo. O semblante, a aparência, a idéia mesmo que fazemos da pessoa muda por um simples corte em seu cabelo. Toda uma perspectiva existencial mora nos excessos.
O cabelo cresce independente de nossa vontade. E as unhas? Se não as cortarmos, melhor pintá-las para esconder a sujeira. Esconder o que pode ser interpretado por descaso, relaxamento de nossa parte. Afinal, temos que ser polidos - não apenas em educação - olha o sentido - mas em nossas arestas. Unhas lixadas ou cortadas. Cabelos aparados. O que mais nos cortam?
Para não parecermos bichos? Por isso a rebeldia nos cabelos compridos? Para mostrar a animalidade que existe em nós? Homens cabeludos não gritam sua primatabilidade?
Só sei que me sinto melhor com as unhas cortadas e não apenas por uma questão de higiene mas prática. Teclar, segurar e escrever fica mais fácil. E menor o risco de machucar alguém sem querer... embora, de unhas curtas, pêrca a possibilidade daquele arranhão nas costas dado no calor dos momentos que ficam marcados como um riso no canto da boca.
Mas isso não é soltar nosso bicho?


sábado, 3 de outubro de 2009

PECAMOS

Pela familiaridade, pecamos.
Pelo óbvio sentido e consentido, passamos pela vida e pelo mundo sem prestar atenção. Sem escutar o ruído por baixo das vozes, a batida atravessada por trás dos murmúrios.
Por nossa pressa, assassinamos pensamentos, vislumbres, descobertas, paixões antes mesmo de nascerem. Abortamos então. Podemos depois disso reclamar considerações? Nos indignar pela violência do mundo?
Não sejamos hipócritas.
Somos seres medonhos.
Que não olham pros lados, pros cantos, pras curvas, pros escuros. Medo de ver o que? A nós mesmos com outras roupas, outros rostos, outra vida encerrada? Medo de ter que tomar uma atitude, um posicionamento, ter uma opinião ou, pelo menos, uma convicção por menor que seja que justifique? Que faça valer o espaço que ocupamos. E o tempo que não sabemos usar.
Pela familiariadade, pecamos.
Pelos costumes.
Pelos hábitos.
Pelos óbvios.
E por nós mesmos quando repetimos sem pensar a história da humanidade até aqui.
Que nos fez tão pequenos que nem mesmo enxergamos.



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

DETALHES

Tudo vive.
Ter cachorros é parte desse pensamento.
Viver todo dia com seus pequenos à sua volta, rodeando, chamando atenção, reclamando comida e cuidados, nos faz seres mais atentos. Afinal temos que entendê-los - os cachorros que porventura se tenha - sem palavras. E os gestos também são poucos. Os atos são perceptíveis em significado apenas se nos propusermos. Se nos lançarmos a outro entendimento, a outra visão do mesmo mundo.
Então nos apegamos nos detalhes.
Reveladores e imanentes, pulsantes de significado e existência. Já disseram que a vida está nos detalhes. Completo e modifico : HÁ VIDA NOS DETALHES.
E por detalhe tudo se engloba. Porque se são coisas pequenas em relação ao todo, são o mínimo dentro de um máximo, reletiviza-se o detalhe e explodem-se as dimensões. Pronto. Também nos tornamos detalhes aos olhos do universo.
Como os insetos, por mínimos que sejam, aos nossos olhos.
Em macrofotografia percebe-se esse mundo louco e colorido dos insetos. Um mundo úmido e imensamente rico em arabescos, desenhos, contornos diferentes do que estamos acostumados ou, de repente, por estarem em menor dimensão, fazem mais sentido quando contrastados ao seu contexto.
E nesse contraste, nessa relativização, nessa atenção redobrada aos detalhes, percebemos qfue há, sempre, uma pulsação.
Que talvez apenas pressintamos mas não consigamos ouví-la, de tão acostumados desde que nascemos. E essa pulsação não cessa. Como ondas em um mar. Não importa se calmo ou turbulento. As ondas estão ali. Pulsando. Respirando. Vivendo em tudo e em todos. No absoluto e no nada.
Não há como escapar.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

PARA OUTRA MÁRCIA

E pensar que agora você fala em peixes.
De uma outra forma, de um outro pensar. Seu mar não é mais o mesmo que o meu e as profundezas abriram seus olhos. Que agora vêem o que existe no abismo, na escuridão gélida onde seres estranhos e luminosos habitam. Diferente de saber é estar e tocar suas escamas, sua pele fria de sombra e mistério.
Você é outra. Como são outros os pensamentos que lhe percorrem.
Somos seres estranhos que mudamos de entranhas conforme a vida. Sangue, órgãos, veias são apenas miragens, armadilhas do conhecimento para que nem todos saibam.
Não cabemos em contornos, em limites.
Não existimos para sermos felizes. A alegria é uma droga fabricada em laboratórios que também fazem nosso shampoo, nosso creme dental. E as madrugadas foram feitas para brincarmos de adultos em jogos de sexo e sedução.
Quando cresceremos afinal?
E aprenderemos a prender a respiração para, talvez, perceber um pouco o que agora é o seu mar.
Há conchas, estrelas, ouriços. Águas salgadas e doces. Mornas e frias. Límpidas e turvas. Calmas e turbulentas.
E peixes.
Sempre há peixes para todo tipo de água.
para todo mar que exista.
E você ainda pergunta, os olhos leves, de nascentes e córregos, cúmplices e fixos em mim: sabe nadar?