segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM BARULHO ESTRANHO

Ouvi um barulho estranho. Nem bem um barulho. Era o som de uma ave que eu não conhecia. Tão pouco acostumados aos sons da natureza, parece que só reconhecemos buzinas ou alarmes de carro.
Corri para a janela para ver. E pude alcançar ainda o vôo de um gavião. Essa ave tão pouco afeita à nossa vista.
Moro em plena cidade do Rio de Janeiro, em meio a prédios, ruas, avenidas onde só asfalto, lojas e bancos são vistos ao longo do mar. Glorioso mar.
À frente de minha janela, uma pedra imensa que comporta, em seu vazio, um túnel. Mas do seu lado de fora, uma vegetaçao teima em sobreviver, agarrada na superfície dura de seu chão.
Outra semana vi dois abutres namorando na mesma pedra e alguns pequenos lagartos às vezes correm em disparada por sua superfície para se misturarem de novo à vegetação.
Quando a noite é quente, besouros e insetos visitam meu quarto, minha sala. E algumas aranhas até já se acomodaram pelos cantos ou tetos.
A vida ocupa todos os espaços.
Por menores que sejam, por mais improváveis que pareçam, há sempre algo vivendo em todo lugar.
Que nossos olhos e ouvidos estejam sempre atentos.
Que nossa sensibilidade esteja alerta e presente.
Porque somos parte dessa respiração, dessa ânsia por momentos, dessa conquista que é estar vivo, testemunha do tempo, do espaço, da liberdade de ser.

sábado, 14 de novembro de 2009

REVENDO

Lembro daquele comercial acho que da Fiat... em que mostrava situações diferentes e inesperadas e, no final, a frase: Está na hora de você rever seus conceitos. Bom comercial. Inteligente.
Porque é sempre hora de revermos conceitos.
E não apenas conceitos mas vontades, desejos, ambições, sonhos, chãos.
É sempre hora de reavaliarmos o caminho de nossos afetos, de nossos remorsos, de nossas angústias e ressentimentos. Hora, mais que hora, de acharmos uma saída para recalques, culpas, perdões. Porque depende apenas da forma de sentir, da forma de pensar, de como organizar ou desorganizar o que temos por dentro. E tentar nos fazer mais confortáveis. Há tanto o que não se pode mudar na vida! Tanto que não depende de nossa força de vontade, de nossas preces, de nossas torcidas.
Por isso devíamos, como devemos simbolicamente até arrumar os armários, devíamos arrumar nossos espaços internos também.
Não temos que achar mais espaço só do lado de fora. Nos desfazendo de roupas que não cabem mais, livros já lidos, para que venham novos e novas e coloridas roupas diferentes.
Por que não com o que vai por dentro entulhando nossa alma. Tanta coisa desnecessária, tanto peso que só dificulta a viagem, tanto, tanto, tanto. Repetido assim mesmo como quando falamos do Espírito Santo.
Santo. Santo. Santo.
Nos dê força e inspiração.
Para que consigamos trazer o horizonte pro coração.
E lá dentro brilhe um sol imenso a cada acordar.

Rever é também se resgatar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

QUER FALAR? FALA!

Quer falar, fala.
Senão vai ficar com as palavras presas no corpo, ziguezagueando furiosas entre órgãos, nervos, veias, carnes.
Melhor falar que ter as palavras assim por dentro, nessa agonia por serem ditas, nesse discurso que se complica enquanto o tempo passa e nada acontece.
Antes de explodir, fala.
Senão qualquer dia desses sua boca irá se abrir e isso que chamamos de alma, espírito ou coisa que o valha, se mostrará despudoradamente e será impossível reconhecer o corpo a que ela pertence.
E aí como você fica no mundo? Com a alma de fora, se mostrando aos berros para qualquer um?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

BOM MESMO

Bom mesmo é morrer do coração.
Sair de casa sem despedir como se fosse encontrar logo ali, na esquina perto da banca de jornal. Sem nem tempo para pensar que agora é sua a vez de passar para o outro lado. Há tantos lados em uma só vida!
Bastar um susto e não levar livro nem a obrigação de escrever.
Quando teimamos, que inferno cumprir a cisma com que nos marcamos!
Porque há dias sem poesia.
Momentos sem que a vontade se faça e só se quer que o tempo não mais exista. Nem o sol, nem o vento, nem a cama que não dá mais descanso ou conforto. Sem falar do sono que não vem ou, quando vem, não acalenta o esforço de permanecer.
Mas quero fugir do trágico.
Agora, a inspiração me fala aos sussurros sobre o fim próximo, sempre à porta, debaixo da cama, no box do banheiro, molhada ainda com a água do último banho.
É no peito que se encerra a palavra.
Não aquela que começou o mundo, essa não! Afinal era verbo.. o que não deixa de ser palavra. Mas a minha, a que explodirá no momento incerto, é advérbio de intensidade.
Mas se muito ou pouco, quem saberá?

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O ANJO

O ar condicionado do vizinho pinga como uma torneira aberta. E as gotas, em seus espaços temporais bem marcados, repetidos sem personalidade junto ao barulho dos grilos, escondidos nos matos da pedreira lá de fora fazem a sinfonia de minha madrugada.
Quase peço ao deus insone que me mande um anjo com uma lança dourada.
E que ele me atravesse o corpo da cabeça aos pés, me fisgando inteira, em sua fatalidade divina.
Saber que tudo é mais fácil e ,ao mesmo tempo, não ser capaz de sentir essa familiaridade com a nitidez de minha visão, me faz ansiar pelo gélido metal dourado do anjo.
Trágica?
Talvez.. se não percebesse os grilos cantando fazendo contraponto ao gotejar contínuo da rotina de nossos dias.
Mesmo assim, os grilos não me fazem dormir.
Por isso ainda sonho acordada com o anjo de olhos de infinito e sexo bendito que, com sua espada dourada me atravessaria inteira, sem um grito.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DESABAFO

Me acho uma pessoa com grande tendência ao emsimesmamento e ao consequente isolamento que isso traz. Porque dentro de mim não há festa, grupos, música alta ou carros correndo a 200 por hora.
Talvez por isso fale e reclame tanto do espaço que as pessoas têm no mundo - quando, além de habitarem seu próprio metro quadrado, invadem o alheio. E comente o ruído, o barulho constante e contínuo que domina a vida.
Dentro de mim, o silêncio reina absoluto e embala minhas noites. Tenho sono leve e qualquer suspiro mais alto, acorda meu pensamento.
Teimo em escrever desde os oito anos e até hoje quase nunca me satisfaço com o que faço. Sempre à mão, escrevo com uma lapiseira 9 mm pois tenho horror à escrita fina e frágil de grafites que se quebram à toa e mal marcam o papel.
Porque quero ficar.
Quero ser presente nos olhos dos outros, nas palavras que aos poucos formam sentidos em outras mentes.
Quero que vejam mais de perto a intimidade que à poucos exponho no dia-a-dia. E achem graça de minha inaptidão aos jogos, às regras, às artimanhas do mundo. Pouco percebo os jogos entre nós.
Mas quero ficar.
E sentir que fui feliz mesmo sem a tão falada euforia. Essa coisa estranha e alheia à minha própria natureza. Minha felicidade é calma e silenciosa.
Mas como me fazer presente e pessoa amiga se tão pouco me identifico com os outros?
Por isso escrevo.
E me angustio por não saber mostrar que a leveza é o grande mistério revelado, a única chance de redenção, a fonta de juventude, nossa eternidade sonhada.
Mas escureço ambientes.
Questiono motivos, busco razões para os deslizes humanos, intolerante e irritada com meus iguais.
Como ficar, sendo assim?
Mesmo sabendo que o que importa é o sentimento. E que o amor, esse sim é o grande aglutinador das boas intenções, das delicadezas, das atitudes gentis, das palavras macias que acolhem e aninham as almas fazendo-as esquecer a rotina dura dos dias.. se me pego a questionar o porquê da superficialidade humana se as emoções são feitas de profundezas e abismos?
Será mesmo?
Ou sou eu apenas quem carrega nas tintas gritando o mal que nos fazemos pela ignorância que nos têm dominados quando para ficar, para realmente marcar minha vida nos outros bastaria apenas repetir com outras milhões de vozes por segundos infinitos: te amo, te amo, te amo?