quarta-feira, 30 de setembro de 2009

FALANDO BAIXO

Falo baixo porque não crio personagens. E essa cara de espanto é que me assusto com o que vejo nos outros. Também terei o mesmo andar? Me sinto apenas um corpo que se movimenta. Displicente de sua aparência, preocupado em se fazer efetivo e chegar em algum lugar, sem maiores delírios estéticos.
Não crio personagens, não invento humores, gostos, valores.
Não poderia falar pela boca do outro o que de tão íntimo se me mostra a escrita.
O que é meu, assino e universalizo esse singular. Mas não apago o nome e suas consequências. Se uma mesa é uma mesa, esta sou eu e ponto.
Não sou Deus para criar histórias do nada. Nem em sete dias ou meses sem dormir.
Porque nem mais sonho ou lembro do que se passou nessa inconsciência. Dia após dia meu sono fica mais e mais leve e pareço não descer das superfícies das coisas.
Talvez por isso não escreva ficção, não invente romances, não acredite em comédias.
Meu humor é filosófico porque em tudo há algo a ser observado e veja como ridículos somos quando nos levamos à sério.
O dia e suas 24 horas. Você acredita? Finjo me misturar á multidão para não chamar atenção ou parecer de outro mundo quando é deste que falo.
Tenho limites na escrita.
Mas acredito nela como em minha mente que se mostra aos poucos à mim. No papel vou me enxergando, formada por letras e garranchos de grafite que depois mal reconheço ou decifro.
Falo baixo porque não tenho quem fale comigo.


terça-feira, 29 de setembro de 2009

A NECESSIDADE CEGA DA MATÉRIA

O título deste post é pomposo, intrigante e dá o que pensar. Pode até chocar os incautos que, porventura, estejam visitando este blog pela primeira vez. Marinheiros de primeira viagem, ainda não sabem que UM OUTRO MAR se propõe a isso mesmo: trazer olhares, questões, perspectivas, ângulos, questionamentos sobre o mar que vemos todos os dias. Por isso é outro. E UM OUTRO porque existem muitos. Tantos mares quanto lugares, consciências se propuserem a olhar a realidade à nossa frente e em nosso dentro de uma forma mais atenta e cuidadosa.
Toda necessidade é cega? toda matéria precisa de algo? E ela sabe, por acaso, o que procura?
Buscamos sentido, orientação, explicação, amor, compreensão... buscamos tantas coisas em nós mesmos e nos outros que até nos perdemos e preferimos apenas seguir o fluxo da vida sem maiores questionamentos. É mais fácil e não dói.
Porque buscar já é um partir de algum lugar para se perseguir algo ou alguém. E se é cega, nem essa busca sabe o que procura mas não há como parar sem movimento.
Agora imagine o desespero de se buscar - ou seja, de sair de seu lugar ou estado e partir procurando algo que não se vê ou não se sabe ou apenas se pressente sua existência mas que é necessário que se obtenha, que se ache, que se conquiste.
E é certo qu somente algo feito de matéria pode sentir falta de algo e por isso o lançar-se em busca. Porque o que não se materializa, não se compromete. Não tem necessidades já que é vago, fluido e pode estar em todos os lugares, ser o que envolve a realidade, ser o espaço entre as coisas, o que delimita as coisas que são, essas sim se comprometem com a realidade por não poderem ser de outra forma que não a de se apresentarem, a de existirem concreta e inegavelmente.
É inquestionável que a matéria exista e seja acessível a todos. Palpável, visível, têm características, especificidades, contornos, limites, detalhes. E mesmo tendo tantas manifestações do seu ser, ainda há a falta de algo.
Porque se sou isto e não aquilo - e isto é óbvio e inquestionável - não sou tudo o que me sinto e não possuo o mundo que vejo e em que estou inserido. Sou apenas parte. E não sei o tamanho do todo. Nem seu fim ou seu propósito mas algo em mim dói por não fechar o círculo de minha vivência com autonomia e independência do que existe.
A matéria insiste.
Todo dia reclama e queima no cosmos sua não aceitação.
Porque nada e ninguém quer ser pouco e nunca ter a sensação do suspiro completo. De um alívio em plenitude.
Nem mesmo o mar. Aquele que todos vêem e em cada um se mostra diferente, em constante movimento. Por isso, também se busca. Não se imobiliza no eterno.
Se um dia compreenderemos o que existe nas palavras - A NECESSIDADE CEGA DA MATÉRIA - é algo que não sei. E por isso, busco.
E me comprometo com o espaço e o tempo em que vivo.
Com a vida que me parte e movimenta.
Com a mente que me habita , semente de tudo.




segunda-feira, 28 de setembro de 2009

TEM LÓGICA?

Por isso não estudava. Não fincava os olhos em Aristóteles como devia. Quem mandou inventar a lógica com tantos termos, não podia ter nos deixado perdidos nas falácias do dia-a-dia? À mercê dos sofismas, da maldade, da manipulação alheia?
Ela bem que tentara. Evitara sair, cancelara o cinema, deixara os livros - uma pilha crescente de livros interessantes, ansiosos por serem lidos - para se concentrar na aridez da lógica.
Quando o que lhe pulsava por dentro era um oceano, onde correntezas se misturavam, onde profundezas abissais e suas águas gélidas e escuras, seus seres estranhos e luminosos se avolumavam.
E sua mente tentava represar seus instintos com lógica. Com uma fôrma, um molde para o raciocínio, para a clareza do pensamento, para uma comunicação válida e verdadeira entre os homens.
Quando o que lhe habitava o mundo era a incoerência, a mutabilidade das coisas, a inconstância de nós mesmos. Como haver verdade? Como ser possível a comunicação entre os seres?
O tempo passava e os livros à sua frente, nada diziam e nada se fixava em seu conhecimento. Era uma resistência mais que inconsciente àquela filosofia da ordem.
Vontade de implodir o passado e apagar da história da humanidade todo o pensamento aristotélico com sua mania de definições e lugares. Onde estava escrito que as coisas, os seres, as substâncias tinham seu lugar certo no universo se nem mesmo se respeita o lugar marcado nos teatros?
Por que tudo não podia ser poético como Platão? Esse sim tão romântico e idealista que lhe lembrava Castro Alves, Gonçalves Dias... talvez pela paixão com que afirmavam os mundos e nada temessem!
Totalmente diferente da mornidão dos silogismos.


sábado, 26 de setembro de 2009

O ESPANTO FILOSÓFICO II

Se falo que Filosofia é totalmente diferente da filosofia que se conversa em barzinhos ou a chamada "filosofia de vida" é porque a primeira, a FILOSOFIA, é precedida por aquele espanto ou admiração mencionados ontem. E filosofia de vida ou de bar é apenas o modo como vamos convivendo, nosso estilo de ser na vida. Bem diferente do que é a chamada Filosofia, que é dita ter começado com os gregos, no séc. VI a. C., com os pré-socráticos e seus questionamentos sobre a causa primeira, de onde viria a origem das coisas, o que seria, por isso, comum a tudo que existe, constituindo sua realidade, sua existência.
A Filosofia tem, por definição, de ser um pensamento rigoroso, crítico, que busca aprofundar e resgatar a causa primeira, as origens, do que se é pensado. com o rigor do pensamento vem a Lógica que analisa a forma que damos ao nosso discurso e que tantas vezes segue ilogicamente e inválidamente em sua ordenação e estrutura.
Filosofar é complicado mas estimulante e embriagador. É o encanto que enriquece e problematiza o que antes era comum.
Por isso fico chateada quando falam que filosofar é só olhar para o céu, coçar a barriga e passar o tempo sem nada fazer.
Se pensar o próprio pensamento é nada fazer como explicar então as idéias que temos, os conceitos que formamos e que nortearão todos os atos, toda a vida dos homens?
Como pensar no igual e no diferente sem analisarmos os conceitos e suas origens - quem sabe aí não percebemos os preconceitos que alimentamos, até sem querer ou perceber, criados por trilhões de motivos interessados em algum fim escuso?
Pensar o pensamento é questionar, criticar, é nada aceitar sem observar as intenções e interesses por trás muitas vezes de propagandas aparentemente inofensivas, de valores que se querem propagados e que desmerecem nossa capacidade maravilhosa e única de raciocinar.
A independência, a autonomia, o especial do ser humano começa ali: no se pensar ser, no se acreditar pensante, no se permitir criar realidades e mundos diferentes em um mesmo espaço.
Filosofar é uma grande viagem, com certeza, onde o espanto, a admiração, curiosidade e a força de vontade são ítens obrigatórios.



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O ESPANTO FILOSÓFICO I

Dizem que o espanto e a admiração são os primeiros passos para se filosofar. Concordo. Eu mesma sou a primeira a falar da quebra que fazemos no mundo e no tempo quando nos surpreendemos vendo e observando o que é comum e, por um instante que parece mágico, percebemos que sua essência, sua unicidade é absurdamente especial e diferente, exigindo nossa atenção, nosso cuidado, nossa compreensão de sua totalidade.
Esse espanto filosófico não é o mesmo daquele que temos ao ver um preço alto, ao levarmos um susto, ao admirarmos alguém extremamente belo. Nâo é uma admiração comum, que fique por ali mesmo, na sensação admirada que foi o instante e que já passou.
O espanto filosófico é um deslumbramento de uma realidade nova, onde o manto do senso comum, do olhar passageiro e anestesiado por tanto barulho e tumulto é retirado. Às vezes aos poucos e outras, de uma só vez. De qualquer jeito, depois que se começa a enxergar o que há por baixo, não há como evitar suas consequências, seus movimentos dentro de nós.
Porque o espanto filosófico não apenas nos mostra como as coisas não são como pensamos como revela que também não somos ou permanecemos os mesmos de antes de nos admirarmos.
Algo se deflagrou e não há como voltar atrás.


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

ROTINA?

Finja que hoje é segunda:

Segunda-feira. De novo o começo da semana. Sábado de longe se avista. Novamente a via crucis do trabalho, a rotina, o dia-a-dia que sabemos de cor.
Já choveu, o tempo está nublado e desligo o computador às 10:00 hs da manhã. Hora de acarinhar as cachorras, falar que mamãe vai trabalhar, pegar os sacos de lixo na cozinha, sair de casa, apertar o botão do elevador e, enquanto isso, lançar os sacos de lixo lixeira abaixo. Dois quarteirões até a estação do metrô, quinze minutos até a Estação Carioca e mais uma rua inteira até chegar no Juizado. Tudo igual todo santo dia de trabalho se não fosse por... na esquina de casa, antes de pegar a reta dos dois quarteirões rumo ao metrô, escorreguei e caí.
Me ouvi falando "Nossa Senhora!" em plena queda e "Caramba!" quando limpava o joelho que beijara o chão mais que rapidamente. Dois segundos e já estava de volta ao meu caminho. Mas levei um susto. Com a queda e comigo. Não acredito em Nossa Senhora, com todo respeito, nem penso nela hora alguma do dia. E, convenhamos, Caramba! é meio antigo para se falar... por que não um palavrão?
Esquecemos que em toda rotina há sempre imprevistos, o inesperado se mostra, as surpresas se fazem, mesmo que pequenas, mesmo que não vejamos... elas estão ali. Então não há rotina a não ser a que pensamos existir. A rotina, se existe, é nossa única culpa. Por não percebermos pequenos detalhes ou tombos homéricos nos chamando atenção para o ineditismo de cada segundo, de cada momento que não se repete nunca mais.
Claro que não pensei nisso tudo enquanto me limpava agilmente e retomava meu caminho, tão aborrecida pela rotina, pelo trabalho, pela mesmice que eu mesma impingia às coisas que me rodeavam. Só fui perceber o grito do tombo quando parei no metrô e comecei a ler as crônicas de Martha Medeiros. Essa sim..atenta a tudo no mundo. Ao lê-la se percebendo de tantas coisas que não vemos dentro de nós mesmos, percebi que rotina nenhuma é pior do que a que criamos. Porque o mundo não se repete, nunca é igual e guarda surpresas sem fim.
Surpresas imensas, médias e, principalmente, mínimas . Surpresinhas tão pequenas que são como pequenas contas, miçangas coloridas que brilham quando nossos olhos desatentos finalmente as encontram.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

E VOCÊ QUER SE CASAR

Você quer se casar. Apesar de tudo e todos, acalenta esse sonho há tempos e nada pode contra seu romantismo. Já passou dos trinta e ainda permanece encantada com a idéia, afinal é tão lindo construir um presente juntos, escolher os quadros, a cor das paredes, dividir as gavetas dos armários. Chega a dar um frio na barriga imaginar os dias da semana, imagina, todos ao lado do seu grande amor! Não precisar mais sentir saudade, aquela agonia gostosa e ansiosa pela sexta-feira para poder finalmente estar junto e não ter hora de voltar pra casa. Fim de semana não é a mesma coisa de vida inteira, convenhamos!
E o sabor do beijo antes de pegar no sono, exausta e relaxada pelas peripécias amorosas recém realizadas. Que importa se vão roncar a noite inteira, se puxam o lençol na madrugada, se de manhã o jeito é esperar no corredor o banheiro desocupar.
Porque o amor é lindo e você quer se casar.
Até o dia que seu grande amor, mais íntimo e constante nessa prévia-de-casamento, quando se passa mais tempo junto que separado, mostra umas manias chatas que você não conhecia! Ou não percebia, tanto encantamento que cegava. É meio ranzinza, não gosta de barulho, não gosta de cigarro, não suporta televisão. Que coisa... tudo que você mais gosta!
E você quer se casar.
Ou quer o amor que não é perfeito mas que nossa...mesmo assim é tão especial? Só que difícil de conviver. Difícil de encontrar os sete dias e as sete noites na semana sem estranhar.
Você pensa, pensa, pensa e chega até a não querer mais pensar porque casar assim é impossível, uma fôrma apertada demais para caberem dois corpos e duas personalidades tão diferentes com algum conforto e harmonia.
Mas você quer se casar e, de repente, se percebe casadíssima mesmo sem saber!
Porque não há outro alguém no mundo que lhe interesse tanto, seus olhos viram vulcões quando pensa no amor e tudo de bom que acontece em sua vida você quer é compartilhar com ele, com seu ranzinza e cheio de manias, amor.
E se ele também sente isso, se encomenda um couvert do La Mole e compra chocolate da Kopenhagen para lhe receber à noite depois de uma noite de desentendimentos, se ele escreve coisas bonitas sobre o sentimento que tem e como a vida hoje é boa de viver só por sua causa e repete isso em torpedos durante os dias, os meses, o ano que estão juntos... amém!
Eu os declaro casados.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Textos enquanto se ouve Alanis Morissette I

O tempo que fiquei em silêncio, sentada no sofá da sala, observando, foi-se acumulando nos pés, nas unhas, na espera pela hora dos dentes. Em que morderia o que me prende. Arrancaria sempre de mim mesma em busca de você.
Que sinto o cheiro e o gosto já me arrepia por dentro.
O tempo em que fiquei em casa só me aguçou os instantes e de nada adiantou conter a ânsia, a vontade, o piscar nervoso dos olhos.
Eu só queria estar aqui.
Pele no corpo, alma na boca, seu nome no umbigo...a mostrar que não olho só pra mim.

sábado, 19 de setembro de 2009

O QUE NÃO POSSUÍMOS

Já fui roubada. Arrombaram minha casa e levaram câmera, Ipod, notebook, DVD... e toda a sensação de posse e segurança que eu poderia ter. A gente aprende. Ou passa a vida inteira tentando, o que já é alguma coisa.
Aprendendo que, na realidade, só possuímos o que somos e mesmo isso foge ao nosso controle, já que nos transformamos contínuamente, influenciados pelo que vivemos, pelo que passamos, sentimos, olhamos e vemos os outros passarem.
Na realidade não possuímos coisa alguma. Nem mesmo o sentimento já que é sabido que a paixão ninguém possui mas se é possuído por ela.
O melhor então é viver se sabendo livre de posses. Sem lenço, sem documento. Quanto mais libertos da preocupação de ter e, principalmente, de manter, mais felizes e recompensados seremos.
Por que quem já não passou pela experiência desagradável e humilhante de ter ciúmes exagerados, excessivos e posse em relação ao ser amado? Quem ganhou com isso? Provavelmente só o ser amado que , depois de um bem dado fora, foi viver e amar em outras redondezas.
Porque se não possuímos, também não queremos ser possuídos.
Não quero me sentir objeto, com o nome de alguém marcado na alma, presa à um domínio alheio. Meu dono sentirá por mim? Terá medo da morte quando esta me chegar? Saberá as incertezas e dúvidas de meu coração? Sentirá na carne, ou melhor, na cabeça, a dor de minha enxaqueca? Pode sentir tudo isso por mim, me aliviando das coisas ruins?
Se não pode, nada feito!
Agora... quanto a amar.. não existe nada melhor que ser amado pelo que se é, sem obrigações ou posses. Quem está ao seu lado está porque quer e, em todas as possibilidades do mundo - esse mundo tão vasto de pessoas e oportunidades - escolheu você. Vai ter medo de quê? E você também está ali, aconchegada àquele colinho que você conhece e ama. Aquele alguém que faz com que você se sinta grande por dentro, querendo ser melhor todo dia.
Duas pessoas que sabem estar juntas porque querem e nada mais importa... isso é possuir a vida.
A liberdade ainda é a melhor forma de ser de alguém.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

HÁ SEMPRE ALGUÉM ALÉM DE NÓS

Há sempre alguém além de nós. O outro que não somos. Quem queríamos, sonhamos nos tornar, aquele que rejeitamos quando lemos o passado, o outro não-eu que se faz no você ou nos tantos que nos rodeiam.
Porque deram nome às coisas. Chamaram de lugares, os espaços vazios. Alegraram o nada com batismos nem sempre aceitos por todos. Porque todos é um universo em perpétua mutação. Pensamentos, sentimentos, realismos, fingimentos, dores, raivas, invejas, mágoas, conquistas, delírios, derrotas.Todos é o ser misterioso que nenhuma Filosofia até hoje chegou a um consenso.
Porque o homem não é de concordância, mas de regência. Não é de aceitação mas rompimento e essa constante negação das coisas, de suas naturezas e denominações, é o que faz a roda girar e a Fortuna, essa deusa instável e voluntariosa, derramar sobre nós suas águas turbulentas, plenas de correntezas.




quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A BOA E VELHA INFÂNCIA

Todos que conheço lembram com saudade da época da infância. Ah... eu subia em árvores, soltava pipa, fazia as roupas das bonecas, andava sempre em bando... ouço, calada, torcendo para que não me perguntem o que penso e lembro.
Pois não gosto dessa época. É um período de vida que, se possível, não repetiria. A-DO-RO ser adulta e, claro, me considero alienígena, pois não há justificativas.
Não tive uma infância infeliz, de necessidades e privações, pelo contrário. Sei que brinquei, corri, joguei, tive Falcons, Suzis, um monte de playmobil. Passei férias em Paquetá, Cabo Frio, Caxambu, BH... tudo normal e perfeito. Por que então?
Acredito que seja, exclusivamente, porque não lembro de quase nada. Não lembro das sensações, do gosto das travessuras, das correrias nos recreios, da boa vida que temos quando a única preocupação é tirar boas notas.
Falam que normalmente esquecemos as coisas ruins e só lembramos das boas - verdadeiro perigo para relacionamentos falidos - pois nem as boas lembranças escapam de minha amnésia. Até os momentos inesquecíveis, acabei esquecendo.
Talvez por isso não goste de me imaginar criança. Como não se gosta de matemática ou física pelo único motivo de não entender. Temos o hábito de só gostar do que damos conta, do que dominamos. O que nos foge ao controle nunca é tão bom assim.
Talvez por isso mesmo a maioria idolatre a infância, época sacralizada de inocência e perfeição, tempo concreto que guarda nos ínfimos detalhes e em tantas lembranças reais e imaginárias que trazem estabilidade e certezas à vida. Mortos nunca têm defeito.
À mim, mulher sem passado, resta o presente contínuo em sua formação diária, com suas escolhas e opções, com as consequências de nossos atos e vontades, autores que somos de nossa identidade. Isso me basta.
O tempo passou e a menina que fui ficou para trás há muito.
Menina de quem não lembro e, por isso, mal conheço ou simpatizo.
Mas que sei que ri e faz careta quando não tem ninguém olhando.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O QUE É ISSO?

Ainda estou chocada com o que vi semana passada no trabalho: uma estagiária, cursando o 4 º período de Direito, escreveu - endereço - errado duas vezes. Uma em cada processo, tirando a possibilidade de um deslize ou qualquer explicação forçada de nossa parte que pudéssemos nos dar como justificativa.
Exagero - podem falar à minha reação indignada. Sei que pouco se lê e são diversos os motivos para tal mas endereço é palavra comum como pão e água, usada praticamente todos os dias, quando preenchemos fichas, cadastros e mesmo renovações de matrícula em faculdades.
À primeira vista nem identifiquei o que era aquela palavra. Seria outra língua? - Inderesso - difícil até mesmo de digitar sem ânsias e arrepios. Um dialeto pouco usado? Alguma língua morta?
E se o endereço está errado... para onde voltar após a labuta diária? Onde será esse lugar onde nossos erros crassos vivem e contaminam, com sua conversa mole e sedutora, os acêrtos de nossa língua?
Ninguém falou que se expressar era fácil. Às vezes passamos a vida inteira treinando, tentando nos fazer visíveis aos outros e ao mundo.
Ninguém disse tampouco que o caminho era simplesmente não pensar muito e não nos ater em detalhes, que a vida é curta e , se estiver errado, já foi, já passou.
Palavras têm força e permanecem até muito depois de ditas e escritas. CUIDADO PORTANTO!
Porque não basta sabermos como chegar à lua, à marte, à porta de casa. Não basta a ração diária, o nome assinado no ponto. A vida exige mais. Força, talento, dedicação. Em tudo, nosso traço. Nossa escrita marcada na história da Humanidade.
Um pouco mais de atenção e vontade de acertar é o mínimo que se pede.



terça-feira, 15 de setembro de 2009

CHOVEMOS

Ontem choveu.
O dia amanheceu nublado, cinza-triste, com ventos e escuridões.
Os rostos nas ruas, fechados. Pessoas sérias, apressadas, no ritmo frio do tempo.
As ruas molhadas, o asfalto chiando ao passar dos carros, poças, bueiros entupidos, sujeiras.
As roupas cinzas, pretas, guarda-chuvas abertos mantendo ainda mais distantes as pessoas. Os corpos se movimentando mais anônimos que nunca, uniformes em suas faltas de cor.
Que mundo é este por onde andamos? Onde o de fora influencia e modifica o de dentro?
Que seres somos nós, tão influenciáveis, tão seres-esponja que tudo absorvemos e depois nos desesperamos por tanto conflito, desajuste, desengano?
Dias de chuva, dias sem luz fazem repensar caminhos, questionar as direções já tomadas. Tantas sem retorno.
Em dias de chuva, chovemos juntos em uma união inexplicável com o universo. Somos parte de um mesmo todo. Parte terra, parte mar, parte estrela, profundezas, altitudes.
Talvez por isso os conflitos, as angústias que nos assolam sem sabermos o porquê e choramos no ombro do ser amado que nada entende. Quem poderia?
Somos parte de um mesmo mistério e o pouco que temos do absoluto não nos acalma a alma.
Quem sabe o sol nos faça um pouco mais sutis, um pouco mais leves, dispersos e distraídos de nós mesmos, displicentes com nossos abismos, ignorantes do tanto que nos falta ser?
Quem sabe o sol nos traga de volta a inocência.


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

NO MEIO DO CAMINHO HAVIA UM METRÔ

Se há um transporte que nos leve ao além da vida, deve ser parecido com o metrô. Não há um dia em que nele viaje que nao me imagine em meu caminho no pós vida, nesse espaço-tempo questionável em relação ao próprio tempo e, principalmente, ao espaço como nós o conhecemos.
Uma viagem que pára - não usarei a nova ortografia, entalada na garganta - em estações onde levas de gente entram e se acomodam.
Pessoas de diferentes tamanhos, idades e gostos. Uns carregando bolsas, outros mochilas e alguns a carregar apenas um livro ou jornal.
Fecham-se as portas e continuamos nesse caminho sem paisagem na incógnita de nossa chegada.
Subterrâneos, podemos dar em qualquer lugar mas não há pistas se céu ou inferno. E as pessoas continuam chegando, comentando a novela, o jogo, a tarde quente lá fora.
E se realmente estivermos mortos e não tivermos nos dado conta de que tudo mudou mesmo parecendo ser o mesmo de todo dia?
Porque para mudar não precisamos morrer e, para não perceber as mudanças que nos circundam, menos ainda.
Acordamos distraídos não apenas ao que nos cerca mas geralmente ao que nos faz ser o que somos. Assim, vivemos como outros, alheios à nossa própria essência, displicentes de que nosso tempo sempre será curto para que nossa consciência finalmente desperte e busque, apressada, aquela pessoa tão interessante que se deixou de ser no meio do caminho.
Sim... no meio do caminho há sempre um metrô. Um espaço para que se pense, enquanto as estações vão passando, sobre o que realmente importa na vida...sobre a humildade necessária ao pão de cada dia.
No meio do caminho há sempre um metrô. Que me lembra, todo dia, que sou pequena e pouca e menor ainda é minha sombra sobre o mundo.



domingo, 13 de setembro de 2009

DOMINGO É DIA DE POESIA

Dois poemas de Pedro Amaral de seu livro Vívido, ed. Sette Letras, 1997 - Por onde andará esse rapaz?


VÍVIDO

Não senhores não se importunem
com essa indisfarçável tristeza,
tristeza por nada, repentina,
que nada aplaca ou anima.

Não é amarga, não tem ranço,
não empesta o ar nem arrasa,
é como um pássaro batendo asas
pela casa
adentro, já passa.



A BENÇÃO

Quando ela me falou
- já quase quando se despedia -
do calor que experimentou
ventre acima, ao ler
aquele pequeno poema
que justamente
desse candor dizia,

Eu lhe sorri, me disse agradecido,
não sem aquela certa constrição
de quem recebe retribuição
muito maior do que o oferecido.

sábado, 12 de setembro de 2009

UMBIGUISMO

Tímida, me arrisco neste espaço. Respiro fundo e teclo o que penso, acho, divago. Depois, sem questionamentos maiores - senão paraliso - clico em publicar post. E assim o blog vai se formando, tecendo seus textos no espaço metafísico que é a virtualidade.
Vergonha em admitir que os assuntos acabam sempre sendo pessoais demais. Mas essa não era a proposta? me pergunto. Mas será que precisava escrever tanto de mim, me colocando frente às questões que incomodam ou encantam, seduzem e me fazem viver?
Ou será uma carência infinda de ser lida, gostada, acarinhada pelos olhos alheios onde não vejo a recusa, não sinto qualquer reprovação e apenas me conformo sabendo-me percorrida em letras, frases e vírgulas?
De qualquer forma é uma forma de umbiguismo... mas porque reprimir tanto esse impulso tão atual, tão pós-moderno?
Que esse blog seja então mais uma tatuagem a que me dou o direito. O piercing que não tenho coragem de pôr. O cabelo ruivo que deixarei para outra encarnação. O umbiguismo que não me permito nas outras vinte e três horas do dia.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O PRECIOSO SILÊNCIO

Porque preciso do silêncio. Essa onda sem quebra ou espuma. Esse céu sem nuvens ou ventos.
Do silêncio do instante do gosto, quando ainda não se decidiu se amargo ou doce, picante ou salgado. Da boca sem expressão, puro risco cercado de pele e sensação. Silêncio de esperas e pensamentos.
Para que as palavras venham.
Ousem sair de suas cavernas, suas profundezas marítimas, seus ermos paraísos de puro entendimento.
E se precipitem nessa realidade humana caótica e barulhenta a que pertencemos por direito e merecimento.



OUI SERÁ O MEU SIM

Penso em aprender outra língua e logo me ponho a imaginar as filosofias de linguagem que se questionam sobre significados, nomes, conceituações.
Há quem pense na velocidade do tempo, na fluidez das coisas, na impossibilidade mesma de se identificar um nome a algo uma vez que tudo muda tão rapidamente que não haveria sentido tentar reter a essência de algo em uma nova palavra. Lembramos sempre do dito de Heráclito, que não é possível se banhar duas vezes no mesmo rio. As águas se renovam e nós também.
E assim me questiono sobre o futuro. Como verei o mundo e as coisas tendo outra língua sendo gerada por dentro? Sendo injetada, correndo pelos mares revoltos de nossos neurônios e suas ligações? Verei o mundo da mesma forma ou outros caminhos de percepção se abrirão? Não me lembro quando aprendi inglês, não posso sequer reconhecer o que me aguarda... era jovem e, junto à linguagem que se fixava em mim, me formava como ser pensante que, tão ocupada em contínuamente me transformar, não me dava conta do que em mim se agregava.
Semana que vem novas portas se mostrarão à frente e, de repente, ao fundo de mim. Será interessante ver agora, mais consciente do próprio pensamento que me faz quem sou, como o mundo se tornará. Tendo várias culturas, palavras e sotaques para definir as mesmas coisas.
Serei a mesma a escrever neste UM OUTRO MAR ou UM OUTRO EU tomará o meu lugar?



quinta-feira, 10 de setembro de 2009

QUEM TU ÉS

Diga-me com quem andas que te direi: Parabéns! Pois se há resposta para esta pergunta é que não estás sozinho no mundo. Mesmo que não seja em companhia de outro corpo, outra alma que não a tua.
És sempre teu próprio acompanhante, teu companheiro mais fiel, mais assíduo e, porque não, mais íntimo. E esta via é a mais difícil, a mais complicada forma de amizade.
Como suportar os defeitos que encontramos, como superar as decepções, as mágoas que nos causamos, como não rejeitar aquela falta de decisão no momento preciso? Como querer ainda caminhar junto, depois de tudo?
E, mesmo assim, caminhamos. De mãos e corpos dados! Em conversas intermináveis e em uma relação que se estreita com o tempo. Afinal não dizem que com o passar dos anos nos conhecemos melhor? E a saudade que sentimos quando nos separamos nas intermináveis horas do trabalho que não nos define e que nos ausenta de nossa própria essência?
Quando engolimos o último minuto do serviço obrigatório, que felicidade podermos voltar a nós mesmos e nos cumprimentar por nos revermos ainda com saúde e tantos planos! Há que se conseguir essa proeza sempre porque o outro caminho é o da separação. E este... deixamos para depois, quando o inevitável surgir - sempre no susto, no imprevisto, antes da hora marcada - e naõ pudermos postergar mais o fim de nosso encontro - o mais duradouro e íntimo encontro de nossas almas conosco.
Diga-me com quem andas que te direi: és!


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O DESPERDÍCIO DE PLATÃO

Semana passada assisti uma palestra na Casa do Saber sobre Platão. Era para ser uma palestra mas acabou se tornando uma aula para iniciantes.
Na primeira fila uma moça interpelava a palestrante o tempo todo para que lhe fosse explicado todo conceito de filosofia platônica que fazia parte de seu discurso.
Assim... o que era para ser um "banho" de Filosofia, com direito à banheira de hidromassagem, espumas e sais, se tornou uma chuveirada fria em que a água vinha aos jorros por um problema de encanamento.
Por que temos sempre que interagir? Por que não podemos ouvir, observar, contemplar informações novas nos permitindo o tempo do encantamento, o tempo próprio do conhecimento se fazendo sentir por nosso intelecto, nossa alma faminta pela riqueza humana dos que viveram e pensaram antes de nós?
Por que não conseguimos digerir frases inteiras com encadeamento lógico antes de querer saber o porquê das coisas fora mesmo de seus contextos? A pobre moça interrompia até mesmo a própria explicação que exigia, querendo saber dos outros se ela era a única, afinal, a ter dúvidas.
Bom... dúvida se tem quando se sabe algo mas algo neste algo não ficou bem claro... certo? Não sendo o caso do próprio e total desconhecimento sobre o assunto.
Resumindo: a palestra de duas horas se tornou uma aula inaugural de uma Introdução à Filosofia. O que, acredito, não era a intenção dos espectadores e, de certo, a minha, que voltei para casa tão desapontada quanto a palestrante, tradutora de grego, diretora do Departamento de Filosofia da Puc, que teve que reformular toda sua apresentação. Nos deixando frustrados por sabermos ter perdido um verdadeiro banquete em tempos de fome mundial.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

UM OUTRO MAR

Muitos dias passei a imaginar títulos para este blog. Pedi ajuda aos céus, aos deuses, aos meus neurônios e até à minha mãe. De nada adiantou.
Queria um espaço para falar das coisas - essas, múltiplas, que acontecem dentro e fora de nós, com os desconhecidos e com quem amamos, coisas que acontecem porque observamos a vida com atenção, coisas que nos passam despercebidas e que só na curva da esquina, vislumbramos.
Um lugar que não fosse pretensioso uma vez que a filosofia que o rege é a de não se ter certezas absolutas. Afinal... quantos deuses existem que escrevem em blogs?
Queria um espaço para simples comentários, pensamentos em voz alta, um lugar para descobrimentos - porque às vezes só exteriorizando o que nos vai por dentro é que realmente nos damos conta do que somos e do que o mundo é para nós.
Sem absolutos ou dogmas mas opiniões e convicções pois toda história - como todo crime - tem, pelo menos, dois lados, duas versões.
Assim como o mar e suas marés, suas cores, profundezas, correntezas, ondas, temperaturas.
Por isso este espaço que tanto serve para se molhar os pés como se aprofundar nos mistérios das profundezas abissais de nós mesmos.